Nos últimos 45 dias ocorreu algo na vida do jornalista e apresentador Milton Neves, 72, que não havia acontecido em mais de cinquenta anos de carreira: não há nenhum microfone à sua espera.
Desde que se despediu da Rádio Bandeirantes, em 31 de dezembro, onde apresentava desde 2005 dois programas esportivos, além de fazer comentários diários em atrações da casa e em outras emissoras do grupo, como a Band News FM, Milton afirma ter recebido nove propostas de emprego, mas nada que o interessasse. “Para quem jogou no Corinthians e no Flamengo, é difícil voltar a jogar pelo Cabofriense”, compara.
Enquanto analisa propostas e afirma que não vai se aposentar — ele segue atuando no campo de eventos e publicidade (“Não sou mais o rei do merchan, mas meus anunciantes continuam comigo”) —, Milton Neves tem um grande trauma para superar.
Em luto há quatro anos devido à morte da esposa, Lenice Neves, o apresentador, que se encontrou por acaso com Silvio Santos no salão do cabeleireiro Jassa, há três semanas, disse que recebeu do dono do SBT a promessa de indicação do nome de um remédio contra a depressão. “O Silvio disse que sarou por causa do remédio, mas até agora ele não passou o nome para o Jassa.”
Confira a entrevista na sequência.
O senhor se aposentou da TV e do rádio ou pensa em voltar?
Não me aposentei, não. Continuo fazendo meus eventos e mantenho minhas empresas, meu portal. Recebi até agora nove propostas, de rádio e TV. Mas eram emissoras de Série C e D. Eu saí da Bandeirantes, que é o Corinthians ou o Flamengo, e não vou jogar depois disso na Cabofriense, com todo o respeito. Até gostei de uma proposta para retornar à TV, mas eu tinha de vender publicidade, sendo que 80% da receita ficaria para a emissora e 20% para o intermediador. E eu não ficaria com nada. Estou fora. Não preciso de dinheiro até o século 900.
Como foi a saída da Rádio Bandeirantes, no fim do ano, depois de ter deixado a TV do grupo em meados de 2023?
Eu pedi demissão nos dois casos e ainda isentei a Bandeirantes de qualquer dívida. Amo a Bandeirantes desde moleque. Uma vez, lá em Muzambinho (MG), falei para um homem que eu ainda iria trabalhar na Rádio Bandeirantes. Ele falou que eu iria trabalhar lá, sim, mas lavando o banheiro. Depois de uns anos, esse homem se tornaria meu sogro. Nós sempre comentamos essa fala dele dando risada. Não foi por maldade. Era a minha realidade naquele momento.
Mas foi um pedido de demissão ou a Bandeirantes não renovou seus contratos?
Eu pedi demissão, repito. Perdeu muito dinheiro sem os dois trabalhos? Claro, perdi salário e faturamento publicitário. Mas não preciso mais de dinheiro, porque mais dinheiro não cabe no meu banco.
Do que mais sente falta por não estar no ar?
Mexendo na internet ou vendo os jornais, eu me pego separando notícias para falar no ar com os grandes Cláudio Zaidan, Mauro Betting e Alexandre Praetzel, meus grandes amigos. Tenho uma ideia, falo que vou perguntar para o Zaidan, mas não tem mais. Também sinto falta do O Pulo do Gato (programa exibido há cinquenta anos). Isso que me deixa triste.
Quem o senhor acha que poderá substituí-lo no rádio, sobretudo aos domingos, quando ficava sete horas seguidas no ar?
Não tem substituto para mim no rádio. Não tem ninguém que chegue perto do que eu fiz. Tomara que apareça no futuro. Tem muito menino bom saindo da faculdade. Ouvi falar que a audiência do meu programa de domingo caiu consideravelmente. O público estava muito acostumado comigo, pois faço programa no rádio desde 1973. Já puseram duas duplas lá, mas não deram certo.
Não pensa em fazer programas na internet para seus mais de 6 milhões de seguidores?
Outro dia, um amigo me chamou para fazer um programa na internet. Todos os meus amigos têm podcast, mas eu não tenho saco. Talvez eu fizesse um podcast na minha adega. Mas, quando a cabeça não funciona, nada dá certo.
Por que a cabeça não está boa?
Noventa e cinco por cento por causa da perda da minha mulher. Os outros 5% são por estar fora do ar. Eu falo o nome dela umas setenta vezes por dia. Não superei o luto, nem vou. Nunca encostei em uma mulher depois que ela faleceu. Só vou superar isso quando morrer e me encontrar com ela (foram casados mais de quarenta anos).
Não procurou ajuda médica?
Fui a uma psicóloga umas dez vezes e ao psiquiatra umas cinco. Ele me deu remédio, mas não adianta. Até o Silvio Santos disse que me daria o nome de um remédio.
Foi durante o encontro que vocês tiveram no cabeleireiro Jassa, há três semanas? Um vídeo seu penteando o cabelo dele repercutiu bastante.
Aquele dia foi engraçado. Meu cabelo estava igual ao do Einstein: branco e espetado. Estou lá sentado, e o Jassa me chama para ir à sala vip. Eu nunca tinha visto o Silvio Santos pessoalmente e fiquei impressionado. Ele está com 93 anos, tem o raciocínio perfeito, a voz perfeita. Entrei lá e o vi sentado. Ele olhou para mim e disse: “Moço, você está triste”. Falei que era por causa da depressão após a perda da minha esposa. Ele disse que também teve depressão e um médico lhe deu um remédio para tomar de noite e outro de manhã. Falou que sarou e que iria me passar os nomes para eu falar com meu médico. Mas até agora não passou.
Se aquele Milton Neves do rádio e da TV não topa trabalhar em locais menores, pelo menos pretende atuar em publicidade e, quem sabe, voltar a ser “o rei do merchan”?
Não sou mais o rei do merchan pois não tenho veículo, mas tenho anunciantes nas minhas redes e no meu portal. Continuo fazendo muitos eventos. Outro dia fui ao Mercadão e tirei mais de 1 000 fotos, sem exagero. Só vou me aposentar quando morrer. Estou inteirinho.
Publicado em VEJA São Paulo de 16 de fevereiro de 2024, edição nº 2880.