Leon Cakoff, que morreu de câncer nesta sexta (14), escreveu um belo texto sobre sua luta contra a doença. Foi publicado em maio pelo jornal “Folha de S. Paulo”, no caderno “ilustríssima.”
A seguir, uma seleção das frases mais fortes do artigo “Na Beira do Abismo”:
“Fui convidado a escrever estas memórias recentes, o que me deu um novo alento, uma sobrevida (palavra que odeio), desde a descoberta de dois tumores no cérebro na virada do ano.”
“O alerta principal do meu estado pré-colapso veio da profissão de repórter: percebi que não conseguia mais digitar direito. Como assim, um jornalista se confundindo com o teclado e as palavras? Tem coisa aí… Na solidão do pensamento, as mãos me traíam no teclado. Digitava errado e não percebia onde estava o erro.”
“O que eu murmurava choroso na véspera (da operação para retirar um dos tumores) era que não queria perder a memória, meu único capital.”
“Perdi a noção do tempo com o coquetel de remédios. Ainda na UTI, o sogro, com a máscara que os médicos usam para não demonstrar seus reais sentimentos, pede para erguer a perna esquerda, e eu ergo; pede para subir o braço esquerdo, eu subo. Pede para sorrir, sorrio… Repito tudo e ele se espanta. Com a mesma máscara, ele sentencia: “Milagre de Natal existe!”. Vou também acreditar em milagre de Natal…”
“Na saída da cirurgia de quatro horas, ligeiramente consciente, vejo Renata de Almeida, minha mulher, que diz, comovida: “Leon, você sempre está na beira do abismo e se salva, não é?”. É verdade, tantos anos de Mostra, 34, na corda bamba, e não caí… Sou forte, dizem. Tenho bom tônus muscular. Não fazia ideia. Pode ser de tanto levar porrada e levantar.”
“Culpado? Posso ser o único, certamente, se for ficar com o diagnóstico do que leva a ter melanoma maligno: o sol e seus excessos. Ou as alfaces que comi em Praga por uma semana, sem saber de Tchernobil. Os agrotóxicos, o celular?”
“Organizei meu pós-operatório até com euforia e prazer. Juntei os livros que há tempos queria ler e os DVDs para finalmente ver ou rever. Convivi mais com os filhos (Pedro, Laura, Jonas e Tiago). Tinha a premonição de que um dia conseguiria ficar mais com eles. Muito triste a memória que deixamos para trás por falta de tempo.”
“Penso agora em dar um bom rumo à memória da Mostra e a todo o seu acervo precioso. Vamos chegar em 2011 à 35ª Mostra, número a ser celebrado. Minha luta continua. Agora, a surpresa de novas metástases viajando pelo corpo.”
“Acredito no poder regenerador do cinema.”
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