De segunda a quinta, por volta das 7 da noite, o burburinho começa a se formar no espaço de 600 metros quadrados e três pavimentos instalado há dois anos na Alameda Itu, nos Jardins. Muitos carrões importados vão chegando e são entregues ao serviço de valet, que custa 18 reais.
Mulheres bonitas e bem-arrumadas, de cabelos escovados e salto alto, e alguns poucos homens com livros nas mãos conversam sobre amenidades e apreciam os quitutes kosher (preparados segundo os preceitos judaicos) no K’fé, lanchonete interna envidraçada, ideal para ver e ser visto por quem passa.
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Não se trata de uma sinagoga, uma igreja ou um templo. O Kabbalah Centre de São Paulo, uma das cinquenta filiais da instituição com sede nos Estados Unidos, denomina-se uma escola.
Lá, os 500 alunos inscritos discutem a cabala, estudo de textos religiosos milenares que formam um conjunto de aconselhamentos sobre bondade, celebração da alegria e outros valores positivos. São análises, principalmente, da Torá, o livro dos judeus, mas também da Bíblia e de textos budistas.
A cabala nunca foi tão popular. Quando o Kabbalah Centre chegou aos Jardins, em 2009, depois de passar por vários endereços na cidade, reunia 200 praticantes, menos da metade do número atual.
Cerca de 25 novos alunos batem à sua porta semanalmente e, a cada mês, chegam a ser formadas três turmas do curso de nível um (no total, há seis etapas), com dez aulas de uma hora e meia ao preço de 500 reais o pacote.
É possível ainda participar de palestras extras sobre temas como sonhos, amor e signos. “Estamos funcionando na capacidade máxima”, diz o rabino israelense Yonatan Shani, fundador do Kabbalah Centre em São Paulo e no Rio de Janeiro. Ele integra o quadro de seis docentes que se dividem entre as duas cidades.
Além disso, o grupo roda o país dando palestras voltadas tanto para presidentes de empresas quanto para ONGs. “Para dar conta da demanda, estou pensando em importar gente. Ainda não houve tempo de formar muitos docentes por aqui, já que o processo leva em média cinco anos”, explica o rabino.
Boa parte dos textos usados é escrita em inglês. Até mesmo a coleção de livros-pilares, o Zohar, não tem tradução do aramaico para o português. Grande responsável pela divulgação da doutrina, a cantora Madonna, cabalista há mais de uma década, fez com que estar inserido nesse mundo fosse considerado cool. Ela não tira do pulso esquerdo uma fitinha vermelha de lã, símbolo de proteção.
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Na lojinha do Kabbalah Centre, o acessório vindo de Israel sai como água pelo preço de 52 reais. As vendas ajudam a financiar as atividades. No Brasil, assim como nos Estados Unidos — onde a polícia investiga o centro por suspeita de rolos financeiros, como apropriação indébita de donativos —, algumas celebridades aderiram à filosofia, mas aqui o crescimento se dá mesmo pelo boca a boca.
“Indiquei para vários amigos”, conta a maquiadora Vanessa Rozan, que terminou em dezembro o nível três e pretende seguir para o quatro. Adepta da doutrina há oito anos e dona de 35 livros sobre o tema, a estilista Gloria Coelho diz que a cabala mudou seu jeito de ver a vida. “Hoje, tento pensar positivo, compartilhar e não falar mal dos outros”, afirma.
Sempre gravadas, as aulas passaram a ser transmitidas pela internet há um ano. Cerca de 300 pessoas as acompanham on-line ao preço de 300 reais. Com a ajuda de uma lousa, os professores discorrem de forma dinâmica sobre assuntos como o Big Bang.
Os alunos, dispostos em mesas redondas (sempre com uma vela em cima) ou em configuração de auditório, muito concentrados, fazem perguntas e exercícios práticos, como a reflexão de falhas do cotidiano. “Aqui, aprendi o significado de causa e efeito”, diz a advogada Paula Komatsu.
Durante o dia, eles também podem contar com o acompanhamento de tutores em conversas particulares com hora marcada. Às sextas-feiras acontece o Shabat, momento de oração que simboliza o descanso para os judeus. O rabino Yonatan comemora o sucesso do empreendimento.
Em julho, serão impressos 13.000 exemplares de alguns livros sobre a filosofia para distribuição em universidades e escolas. Um dos objetivos é afastar as críticas de que seria apenas uma autoajuda disfarçada. “A cabala carrega esse rótulo de superpop, mas não é questão de moda”, afirma. “Todos os que continuam aqui levam a sério nossas atividades.”
Kabbalah Centre. Alameda Itu, 1561, Jardim Europa, tel.:3061-2307, 9h/22h (seg. a qui.) e 9h/16h (sex.), https://www.kabbalahcentre.com.br.