À espera de um milagre de Santo Antônio
Numa metrópole onde há cada vez mais mulheres que homens, o padroeiro nunca foi tão popular
Na última segunda (13), havia uma fila de uma hora na porta da Paróquia Santo Antônio do Pari, na Zona Leste, com centenas de devotas esperando pelo momento de pôr as mãos em uma fatia de bolo de goiabada e leite condensado, vendida por 3 reais. Não era qualquer iguaria. Trata-se de uma receita servida ali há mais de meio século e que teria o poder de facilitar a chegada das solteiras ao altar. No fim do dia, mais de 5 toneladas do doce tinham sido vendidas a um público de 150.000 pessoas, um recorde histórico. Entre os fiéis, estavam algumas felizes esposas que foram agradecer a graça alcançada, como a dentista Aline Costa, de 29 anos, que chegou acompanhada pela mãe, Gislaine. “Eu vim aqui há dois anos e, doze meses depois, estava casada”, contou.
O grosso da romaria, porém, era formado pelas esperançosas. “Pedi folga no trabalho e vou passar o dia tentando todas as simpatias”, disse a arquiteta Danila Hadas. Outra solteira, a publicitária Carolina Massarente aproveitou a hora do almoço para renovar os pedidos. “Fiz uma tentativa no passado, mas não deu certo. Não vou desistir, tenho fé que meu sonho vai se realizar.”
Fundada em 1914, a paróquia é a maior da cidade dedicada ao santo casamenteiro. O padroeiro do Pari nasceu em Lisboa em 1195 e se tornou um dos mais populares ícones da Igreja Católica, representado sempre com o Menino Jesus nos braços. A fama de casamenteiro é muito forte no Brasil e em Portugal (em outros países, os pedidos costumam se limitar à cura de doenças e à ajuda aos pobres). Sua origem remonta à lenda de uma pobre jovem europeia que não tinha dinheiro para pagar um dote de matrimônio. Desesperada, ela ofereceu flores e rezou dias seguidos a Santo Antônio para que a ajudasse a encontrar um marido. As preces foram atendidas, e o milagre iniciou a romaria que dura até hoje.
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Ao longo dos anos, surgiram por aqui inúmeras simpatias para acabar com a solteirice. Na maioria das vezes, as devotas aflitas optam por castigar a imagem do santo até que ele traga um pretendente. Uma temporada na geladeira e afogamento em copo de água são algumas das técnicas utilizadas pelas moças. A missão do santo não é só auxiliar a encontrar marido. Ele recebe também pedidos para ajudar a esquecer ex-namorados, não deixar o fogo do casamento acabar e afastar da relação possíveis amantes, como no caso da vendedora Neide Honda, de 60 anos, que depois de mais de três décadas de matrimônio começou a suspeitar do parceiro. “Não pensei duas vezes, já comprei meu santinho e ele vai me ajudar”, conta.
Além da fé quase inesgotável nos poderes do casamenteiro, o recorde registrado na semana passada na Paróquia do Pari contou com a ajuda de um fenômeno demográfico. Ao longo das últimas décadas, a disparidade entre os sexos vem aumentando na população da cidade. De acordo com os dados do último Censo, de 2010, há por aqui nove homens para cada grupo de dez mulheres. Ou seja, sobram aproximadamente 600.000 mulheres, número quase igual ao de habitantes de Ribeirão Preto, no interior do estado. A liderança é tamanha que os homens só são maioria em dois dos 96 distritos de São Paulo — Marsilac, na Zona Sul, e República, no centro.
Em outras capitais, a desproporção se repete, como no Rio de Janeiro e em Natal. Somente uma delas, Porto Velho, registra hoje uma quantidade maior de homens do que de mulheres. “É uma tendência mundial”, diz Jefferson Mariano, tecnologista de informações do IBGE. A principal explicação está ligada ao fato de que a expectativa de vida feminina é maior do que a masculina (no Brasil, elas vivem em média 77 anos e eles, 69,4). Conforme a oferta de homens no mercado vai diminuindo, as filas para o bolo da Paróquia do Pari seguem evoluindo. “Em 2012, vamos aumentá-lo em 10%”, promete Roberta Ribas, organizadora da festa de Santo Antônio na igreja. Muitas solteiras se preparam desde já para devorar uma fatia.