O alívio esperado com a notícia de que a capital estava entrando numa fase mais branda da quarentena não veio para Roberto Elias, 46. “Só de pensar em sair de casa, meu coração dispara. É como se eu tivesse me desacostumado a ver gente, movimento, e meu apartamento parece o lugar mais seguro do mundo, onde nada de mal vai me acontecer, inclusive pegar Covid”, conta o engenheiro. O que ele está sentindo não é algo incomum para quem passou muito tempo em isolamento social. “A síndrome da cabana é associada à alta irritabilidade, stress, agressividade, inquietação claustrofóbica, angústia e desconfiança quando uma pessoa fica confinada por um longo período de tempo”, explica o psicólogo Fredy Figner. Segundo ele, a síndrome não é o medo de sair de casa, mas uma reação negativa por ficar muito tempo nela. Em uma imagem exagerada, é o que acontece quando o personagem Jack Torrance, interpretado por Jack Nicholson, tem problemas mentais no isolamento no Hotel Overlook em O Iluminado.
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O termo em inglês, cabin fever, foi criado em 1900 para explicar o problema que acometia caçadores, trabalhadores e exploradores no norte dos Estados Unidos. Após ficarem meses sozinhos em cabanas esperando o rigoroso inverno passar, sentiam repulsa em retornar à civilização. O mesmo acontecia com faroleiros na solidão dos faróis ou tripulantes confinados por causa de missões em submarinos. Figner esclarece que a síndrome não é um transtorno mental, mas um fenômeno psicológico histórico. “Não é novo, mas ninguém lembra porque uma pandemia como a do novo coronavírus aconteceu há 100 anos”, conta a psicóloga e neurocientista Anaclaudia Zani. A gripe espanhola, que se estima ter matado 50 milhões de pessoas, ocorreu em 1918. Diferentemente do inverno ou de uma viagem de submarino, a pandemia do coronavírus ainda não tem previsão para acabar. A agressividade, que antes vinha da falta de informação ou de perspectiva, é amenizada pelo acesso à internet no mundo contemporâneo, mas a ansiedade é acentuada pela espera da cura ou da vacina.
O risco de contaminação maior fora de casa reforça a ideia do lar como porto seguro. A bancária Samantha Savino, 39, experimentou sintomas da síndrome quando o departamento do banco onde trabalha anunciou planos de retomada. “Fico triste, meio irritada, com medo e insegura com o futuro”, conta Samantha, que está em home office desde março e mora com a mãe, de 65 anos, e o sobrinho, de 11. “A maior preocupação é trazer o vírus para casa.” Na síndrome, também é possível ter problemas de atenção e dispersão ou o oposto: hiperfoco no trabalho.
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Além da máscara e do álcool em gel, que protegem e dão sensação de segurança, Figner aconselha a prática de atividade física, meditação, alimentação saudável e uma boa noite de sono. Para se adaptar ao “novo normal”, a chave é fazer pequenas caminhadas acompanhado. A luz do dia regula ciclos naturais do corpo, o exercício libera endorfinas, que trazem bem-estar, e a companhia traz proteção. Caminhar com um amigo é o que F. V., 38, que prefere não se identificar, tem feito. Gerente comercial de turismo, começou a sentir ansiedade pela redução de 40% da carga horária de trabalho. “Não sinto confiança de ir a bar ou academia. Fico irritado e angustiado.” Apesar de descontar no cigarro — passou de meio maço para um por dia —, as caminhadas têm trazido alívio.
Anaclaudia Zani explica que os sintomas da síndrome da cabana são reações espontâneas de sobrevivência, mas podemos refletir sobre nossos próprios pensamentos por meio da camada do cérebro responsável pela racionalidade, o córtex. O “pensar sobre o pensar” é chamado, na neurociência, de metacognição e nos ajuda a controlar estímulos causados pelas emoções. A cognição é a capacidade de processar informação e transformá-la em conhecimento, ou seja, no caso atual, é questionar medos e estar ciente do que é preciso fazer para se cuidar diante da pandemia, o segredo para enfrentar o “novo normal”. “É impossível não ter sentimentos negativos, mas somos, sim, capazes de controlar a sua intensidade”, afirma Anaclaudia.
Emoções que transbordam sem questionamento, no longo prazo, causam doenças emocionais, e racionalizá-las é questão de prática.
Como amenizar a síndrome*
Faça atividade física > Exercício libera endorfina, que causa bem-estar.
Medite > Alivia o stress.
Caminhe acompanhado > Andar com um amigo dá a sensação de segurança.
Questione pensamentos negativos > Auxilia no controle das emoções ou ajuda a diminuir a intensidade dos sentimentos ruins.
*Fontes: Anaclaudia Zani, psicóloga e neurocientista, e Fredy Figner, psicólogo
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 22 de julho de 2020, edição nº 2696.
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