Organizado no Brasil desde 2014, o Setembro Amarelo tem o objetivo de levar à discussão um assunto que provoca a morte de 13 000 pessoas todos os anos no país, uma média de 1,4 suicídio por hora. Mesmo com a pandemia, os índices permanecem estáveis, mas seus principais causadores, como depressão e ansiedade, estão cada vez mais sendo diagnosticados nos consultórios. Para Alan Campos, passou da hora de as pessoas deixarem de tratar como louco quem apresenta transtornos mentais.
Mais de 18 milhões de brasileiros convivem com transtornos de ansiedade e 11 milhões com depressão. Por que, apesar de tanta gente que sofre com doenças que no extremo podem levar ao suicídio, o ato de tirar a própria vida é tido como um mal silencioso?
O estigma é muito grande. Esse é o grande problema. Há estigma dos dois lados. Quem sofre e está tentando falar é muitas vezes tachado como alguém louco. A palavra “louco” nem existe na medicina. Do outro lado, a pessoa que recebe a afirmação fica com medo e não sabe o que fazer. Fica essa coisa velada. Por isso mesmo que estabelecemos campanhas como o Setembro Amarelo.
Essas campanhas podem efetivamente contribuir para a prevenção de suicídios? De que forma?
Sim, por orientação. Campanhas, mesmo que sejam durante um mês no ano, voltam a atenção da sociedade para o assunto. Temos a chance de ir tirando o estigma e de estimular as pessoas que têm problemas a procurar ajuda.
Mas se é tão importante falar a todo momento, as campanhas deveriam ser perenes, não?
Sim, o Setembro Amarelo deveria durar o ano todo. O debate precisa ser estimulado cada vez mais. Mas ele é válido para chamar atenção. A prevenção tem de ser o ano todo.
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Como é a proporção de suicídios em relação a gênero, idade, classe social?
Em geral, as mulheres tentam mais e os homens concretizam mais. No caso dos mais jovens, tem um impacto significativo de 12 a 29 anos. Nesse último grupo, o suicídio é a quarta maior causa de morte no mundo, perdendo para acidentes de carro, agressão ou homicídio e tuberculose. O Brasil segue a mesma perspectiva.
Quais são os principais sinais de transtornos mentais em crianças e jovens e de que elas poderão cometer suicídio?
É preciso ficar atento aos sinais indiretos. Os mais evidentes são mudança de comportamento, predomínio de isolamento. Muitas vezes rompendo ligações sociais e dando sinais de tristeza. E chama a atenção também o aumento do uso de substâncias psicoativas, como álcool e drogas. Essas substâncias causam impulsividade, quebram o freio e a pessoa comete o ato.
Há três anos, escolas particulares de elite e a Universidade de São Paulo registraram casos de suicídio entre estudantes. Recentemente, três alunos da USP tiraram a vida. As instituições vêm conseguindo cumprir seu papel de mapear e acompanhar esses casos?
Varia muito de escola para escola. Cada vez mais elas vêm atentando para isso. Muitas se preocupam, mas de modo geral é que o sistema, sobretudo na escola pública, não contempla. Cada vez mais as instituições estão tentando ficar mais atentas, mas a gente sabe que estruturalmente são defasadas. Não tem rede robusta.
E nas empresas? Há grande preocupação com a questão ergonômica, por exemplo, mas o assunto saúde mental muitas vezes não é abordado nem nas consultas periódicas obrigatórias.
Não tem nada que valorize a perspectiva de saúde mental, o que é um grande contrassenso, visto que agora os transtornos estão em segundo, virando a primeira causa de afastamento no mundo. Mais uma falha.
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“É mito a pessoa achar que, se falar sobre o assunto, vai levar a outra a cometer suicídio. É importante falar sobre o tema”
Há pessoas que são mais propensas a ter esses problemas?
Qualquer um pode ter. É multifatorial. Pode ter vulnerabilidade maior ou menor.
Muitos amigos e parentes de alguém que cometeu o suicídio se sentem culpados porque acham que poderiam ter feito algo para evitar. Poderiam mesmo? O quê?
Falar que deveria ter feito algo é alimentar o problema do impacto no pós. A ideia não é responsabilizar os familiares, pois aumen a o sofrimento. Não adianta falar o que eles poderiam ter feito. Tem uma frase que usamos muito: “Suicídio não acaba com uma vida. Acaba com mais”. Em média, seis pessoas são seriamente afetadas para cada suicídio.
Mas, como forma preventiva, o que os mais próximos podem fazer para ajudar uma pessoa doente?
Um dado importante e que muita gente não sabe: é mito a pessoa achar que, se falar sobre o assunto, vai levar a outra a cometer suicídio. É importante falar sobre o tema. Colocar-se disponível é a primeira coisa. Fazendo isso e aparecendo o tema, é procurar ajuda profissional. Falar a respeito, colocar-se disponível, sem estigmatizar. Não falar que é frescura, não falar para a pessoa trabalhar. Queremos combater essa cultura.
As redes sociais mostram, mesmo que de forma irreal, um mundo feliz de muita gente, ao contrário da realidade da maioria. O contraste que gera frustração torna a internet um ambiente tóxico?
As redes têm grande impacto sobre a autoimagem do indivíduo, um narcisismo de idealizar e se comparar com os padrões idealizados. E confrontar com a diferença do que percebe de si. Isso é uma causa de sofrimento.
Doenças emocionais como ansiedade e depressão são facilmente diagnosticadas? Há um excesso desses diagnósticos hoje e, por consequência, um excesso de indicação de medicamentos?
Muitas vezes a pessoa se intitula como ansiosa. E esquece que a ansiedade é uma característica humana. Um certo grau de ansiedade me fez olhar alguns dados para poder conversar com você, por exemplo. Mas, se essa ansiedade começar a causar sofrimento, disfunção, passar de ser regulável, ela se transformará num transtorno. E só um profissional está apto para dar o diagnóstico. E isso nem sempre é tão fácil quanto parece.
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Publicado em VEJA São Paulo de 15 de setembro de 2021, edição nº 2755