Ao ser anunciado com estardalhaço durante a campanha à prefeitura do ano passado, o Corujão da Saúde foi motivo de escárnio de adversários e provocou a desconfiança de especialistas. A promessa do programa emergencial de João Doria para reduzir a longa fila de espera de exames no sistema público da capital era oferecer atendimento em instituições municipais e privadas em um esquema de mutirão temporário, utilizando horários de menor demanda, como o período noturno e até a madrugada. Gestores do setor mostraram-se reticentes quanto à possibilidade de sucesso da operação de urgência e ao possível alto volume de custos envolvidos.
Mas o fato é que, depois de um mês de tratamento intensivo, o Corujão está prestes a receber “alta”. Quando foi iniciado, em 10 de janeiro, 457 000 paulistanos aguardavam para ser convocados.
Cerca de 15% dessa base foi excluída pelo fato de as pessoas estarem na fila há mais de seis meses, o que exigirá uma reavaliação médica. Até a semana passada, 128 000 pessoas haviam realizado os procedimentos, enquanto outras 142 000 não foram localizadas ou marcaram o exame e não apareceram.
Resta resolver a situação de 119 000 pessoas. Ou seja, praticamente 70% da demanda está equacionada, a dois meses do fim do prazo previsto pela administração (veja o quadro abaixo).
Em relação ao custo, foi gasto até agora um terço do total de 17 milhões de reais destinado ao projeto. Para que a meta de zerar a fila em noventa dias fosse atingida, organizou-se uma operação de guerra em cerca de 300 unidades básicas de saúde da metrópole a partir de 2 de janeiro. Funcionários e telefonistas desses postos levantaram suas respectivas listas de espera e começaram a ligar para os nomes da relação.
Em quatro semanas, 192 000 contatos foram transformados em agendamentos, uma média de 600 para cada local. Quem aguardava fazia mais tempo teve prioridade, mas não havia a possibilidade de escolher local e horário para atendimento. Em paralelo ao mutirão de telefonemas, a prefeitura aumentou a capacidade de sua rede. Até o fim do ano passado, cerca de 150 pontos da capital realizavam 580 000 exames por mês.
Esse número ganhou a inclusão de hospitais de excelência como o Albert Einstein, no Morumbi, que não prestava esse tipo de serviço para o município e entrou no esforço para resolver o problema. A meta do local é ofertar 1 500 tomografias computadorizadas e 390 ressonâncias magnéticas. Na semana passada, o grupo Santa Joana também passou a integrar o programa, com a expectativa de oferecer 1 200 ultrassonografias pélvicas e transvaginais nos próximos três meses, entre 19 e 23 horas. Além disso, foram ampliados os contratos de vários centros privados que já atendiam via SUS.
O Oswaldo Cruz, no Paraíso, por exemplo, deveria realizar um total de 9 600 exames de imagem entre 2015 e 2017. A previsão agora é que, somente nestes três meses de Corujão, o número de diagnósticos do tipo processados ali seja de 7 530. Para uma iniciativa que foi implantada na primeira semana de mandato, o Corujão tem o mérito de oferecer um serviço que, no geral, agradou aos pacientes, principalmente aqueles que não têm acesso a equipamentos de ponta.
“Parecia um foguete da Nasa”, conta o pedreiro Adenisio Fernandes sobre o aparelho de tomografia a que foi submetido no Oswaldo Cruz na última segunda, 6, para conferir um quadro de tuberculose e pneumonia.
O tempo de espera também rendeu elogios. “O atendimento foi rápido e cordial, o que quase nunca ocorre no posto de saúde”, afirmou a dona de casa Rosa Maria Toledo, que passou cerca de uma hora no Einstein na última quarta, 8, também para uma tomografia.
O sucesso levou a prefeitura a anunciar duas novas etapas do projeto, uma espécie de “Corujão 2 e 3”. A partir de março serão feitos mutirões para a realização de cirurgias ortopédicas, cuja fila é de 44 000 pacientes, e a distribuição de próteses de membros superiores e inferiores, com demanda de 2 800 pessoas.
Há, no entanto, questões que precisarão ser solucionadas no futuro. Um exemplo é o fato de o programa incluir apenas sete tipos de exame, deixando de fora alguns considerados importantes, como o de incontinência urinária. No caso de um procedimento específico, chamado de urografia excretora, houve procura acima do previsto e pelo menos 5 000 pessoas terão de esperar até o fim de março para conseguir uma brecha na agenda.
E resta ainda resolver o problema das 68 000 pessoas excluídas da lista porque estavam na fila havia mais de seis meses. A previsão é que as necessárias reavaliações médicas nos postos ocorram após o fim do Corujão, com essa turma sendo absorvida dentro da demanda mensal natural do sistema. “A partir de abril, todo mundo terá consulta marcada para ser atendido em, no máximo, trinta dias”, afirma o secretário de Saúde, Wilson Pollara.
Concebido inicialmente para realizar atendimentos em horários pouco habituais, como fim de noite e madrugada, o programa concentra menos de 1% dos seus esforços após a meia-noite. E esse serviço ficou limitado a apenas um centro, o Oswaldo Cruz, responsável por 935 procedimentos nessa faixa de horário, ou 10% de seu total. Quem teve de encarar o “plantão noturno” reclamou, principalmente se dependia de transporte público. “Tive de pegar três ônibus para chegar e quase não consegui voltar para casa”, contou o gari Antonio Rosalvo da Silva, morador do Jaraguá, na Zona Norte, que aguardava desde o segundo semestre do ano passado por uma tomografia do tórax.
Agendado para as 23 horas da última terça (7), ele chegou com duas horas de antecedência, conseguiu ser encaixado mais cedo e foi embora em pouco mais de meia hora. Nos demais hospitais, clínicas e postos, a iniciativa transcorre basicamente em horário comercial. No Einstein, por exemplo, intensifica-se entre as 13 e as 19 horas. “Antigamente uma tomografia demorava uma hora para ser finalizada, hoje leva vinte minutos”, afirma Sidney Klajner, presidente da instituição. “Não há necessidade de ampliar tanto o horário de atendimento”, explica. A fila de exames não é nova, mas cresceu bastante nos últimos dois anos. Em 2015, 223 000 paulistanos esperavam por atendimento.
Em abril do ano passado, esse número já havia saltado para 347 000, ou seja, houve uma elevação de 55%. A gestão de Fernando Haddad argumentava que o motivo seria a abertura de novos postos de saúde, o que teria levado mais gente a procurar os serviços públicos. Outro fator que pode ser levado em conta é a crise econômica, responsável por tirar dos planos de saúde privados alguns milhares de trabalhadores, agora desempregados. A prefeitura atual, que teve méritos em resolver a questão em pouco tempo, enfrentará desafios bem maiores na saúde.
Um deles é a histórica dificuldade de distribuição de medicamentos na rede pública. “É nosso problema número 1”, diz Pollara. Na quarta (8), a gestão anunciou o recebimento de 380 milhões de comprimidos, de 165 tipos, doados por laboratórios privados. Agora, implantará o programa Remédio Rápido, com entrega em 3 000 farmácias. A parceria deve render uma economia de 500 milhões de reais por ano.
Outra luta será para finalizar os hospitais de Parelheiros, na Zona Sul, e Brasilândia, na Zona Norte, que tiveram as obras suspensas em 2016. O primeiro está em fase final de construção e deve ser entregue até setembro. O segundo, mais atrasado, será retomado neste primeiro semestre, sem previsão de conclusão.
“Para baratear o projeto, excluímos anfiteatro e centro de ensino, mantendo a capacidade de atender 2 milhões de pessoas por mês”, diz Pollara. Somados, os empreendimentos vão exigir um investimento de 265 milhões de reais.