A ciclofaixa da discórdia
Projeto confuso da prefeitura em Moema é exemplo de como a política de trânsito para bicicletas não é levada a sério por aqui
Alguém pode ser contra a ideia de ampliação de espaços na cidade para as bicicletas, garantindo maior segurança aos usuários e uma convivência mais civilizada entre elas e os automóveis? No bairro de Moema, uma iniciativa criada com essa intenção está conseguindo a façanha de atrair a ira de boa parte dos moradores e comerciantes da região. Desde o início deste mês funciona ali uma ciclovia de 3,3 quilômetros de extensão, que passa por algumas das principais vias locais, como as avenidas Rouxinol e Pavão.
Concebido para dividir o tráfego de forma organizada, na prática o projeto teve o efeito contrário. Como a faixa exclusiva para a turma do pedal corre do lado esquerdo das ruas (muitas delas de mão única), quem está de carro precisa agora estacionar a pouco mais de 1 metro de distância do meio-fio. Além de reduzir o espaço para o trânsito em ruas estreitas e já bastante congestionadas, a medida não garante total segurança aos ciclistas, que podem ser atingidos a qualquer momento pela porta de um veículo cujo condutor esteja desembarcando. Por essas e outras, até o momento pouquíssimas pessoas se arriscam a pedalar naquela área. “A intenção da prefeitura até que foi boa, mas a realização está totalmente equivocada”, afirma o tradutor Thiago Benicchio, diretor da Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo.
Logo após a abertura da ciclofaixa, a comerciante Carol Maluf, proprietária da loja Maria Carolina, declarou aos jornais que o espaço era inútil, pois suas clientes milionárias jamais iriam pedalar de salto alto. Críticas como essa insuflaram os ativistas, que organizaram no último sábado (19) um protesto com a participação de mais de 100 pessoas. Várias delas apareceram por lá maquiadas e com vestido longo, numa resposta bem-humorada às palavras da empresária. “A cidade não pode ser pensada apenas para os carros”, defendia a designer Fernanda Machado. Dois dias depois, uma reunião promovida pela Associação dos Moradores e Amigos de Moema (Amam) juntou todas as partes interessadas para tentar resolver o impasse. Após três horas de muito bate-boca, a pendenga continuou. Na prática, decidiu-se formar uma comissão que vai procurar a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) para definir uma solução melhor para quem circula na região.
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Com o polêmico projeto do bairro da Zona Sul, a capital atingiu um total de 117 quilômetros de locais destinados ao transporte por bicicletas. Todos eles surgiram nos últimos quatro anos. Os lugares são divididos em três modelos. Nas ciclofaixas, como a de Moema, os usuários andam em um espaço exclusivo, mas no meio do trânsito. As ciclovias, por sua vez, têm faixas segregadas do tráfego dos automóveis por meio de muretas ou guard-rails. Por fim, há as ciclorrotas, com veículos e bicicletas dividindo as ruas. Mesmo com o avanço recente, São Paulo está longe ainda das cidades que são exemplos mundiais em políticas de incentivo às magrelas. Copenhague, capital da Dinamarca, tem uma malha de 350 quilômetros. Lá, quase metade da população se locomove pedalando. Mesmo metrópoles de países em desenvolvimento se encontram num estágio mais avançado que o nosso. Exemplo disso é Bogotá, na Colômbia, que possui 344 quilômetros de ciclovias, utilizadas diariamente por 285.000 pessoas.
Não bastasse a forma lenta como o negócio se expande por aqui, há problemas sérios em várias das faixas criadas nos últimos tempos. A reportagem de VEJA SÃO PAULO percorreu cinco áreas, num total de 93 quilômetros. Perigosas irregularidades no asfalto, como buracos e lombadas, são bastante comuns. Outro ponto que deixa a desejar é a infraestrutura ao redor. Pouquíssimos corredores possuem bebedouros e banheiros, ao longo do trajeto ou nas imediações (veja o quadro abaixo). “A questão da bicicleta ainda não é prioritária na cidade. Por isso, enfrentamos dificuldades em quase todas as vias com essa finalidade”, diz João Lacerda, membro da Associação Transporte Ativo, que defende a mobilidade sem o carro.
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Até o momento, de longe, o projeto mais bem-sucedido implementado na capital é a Ciclofaixa Cidade de São Paulo. Criada em 2009, ela tem 45 quilômetros de extensão, num trajeto que abrange os parques Ibirapuera e Villa-Lobos. O circuito só é aberto aos domingos e feriados (entre 7 e 16 horas), quando a CET instala cones ao longo do percurso e equipes de mais de 400 monitores ficam nos cruzamentos, ajudando a organizar o fluxo. Reúnem-se desde esportistas paramentados com capacete e outros equipamentos até famílias inteiras. O total de participantes chega a 40.000 por dia de funcionamento. Nem mesmo essa boa iniciativa está imune a críticas. Muitos motoristas que passam pela rota dominical reclamam de perder uma das faixas para o trânsito em avenidas movimentadas, como a Pedroso de Morais, em Pinheiros. Enquanto isso, os cicloativistas mais radicais a julgam ineficiente como meio de transporte, devido ao horário restrito. Mas o fato é que, com erros e acertos, as bicicletas avançam.
Divulgação
Copenhague: quase metade da população se locomove de bicicleta
O TESTE DAS DUAS RODAS
Avaliação sobre os defeitos e as qualidades dos principais espaços na cidade
Adutora Rio Claro (São Mateus)
Extensão: 7 quilômetros
Segurança: Há cacos de vidro e lixo, além de trechos bastante ermos, ao longo de todo o percurso.
Asfalto: Tem buracos e locais prejudicados pelo trânsito de pessoas.
Infraestrutura: Não há banheiro nem bebedouro. A sinalização do chão funciona, mas na altura do nº 8.500 da Avenida Sapopemba acaba a ciclovia sem que haja placa para informar o ciclista
Brooklin
Extensão: 15 quilômetros
Segurança: Embora não tenha faixa exclusiva, o baixo movimento de carros na região contribui para a tranquilidade dos ciclistas
Asfalto: Péssimo, com muitos buracos, lombadas e canaletas
Infraestrutura: Há banheiros e bebedouros no Parque Severo Gomes e boa sinalização de placas e no chão em todo o percurso
Ciclofaixa Cidade de São Paulo
Extensão: 45 quilômetros
Segurança: Além da proteção dos cones, os usuários contam com a ajuda de mais de 400 monitores que ficam nos cruzamentos com semáforo
Asfalto: As vias encontram-se em bom estado de conservação
Infraestrutura: Existem três pontos de parada com água e banheiros. A sinalização é bastante eficiente em toda a ciclofaixa
Marginal Rio Pinheiros
Extensão: 14 quilômetros
Segurança: Embora o local seja pouco movimentado e tenha apenas duas saídas, os usuários não enfrentam por lá grandes problemas
Asfalto: Bom e bem sinalizado quanto a curvas e obstáculos
Infraestrutura: Há banheiro e água nos pontos de entrada. Os problemas maiores são a falta de saídas ao longo do trajeto e os acessos com escada em vez de rampa
Radial Leste
Extensão: 12 quilômetros
Segurança: Todo o percurso é protegido por muros de concreto ou guard-rails, mas há obras que interrompem completamente a ciclovia e pontos sem iluminação e sem movimento
Asfalto: É conservado, mas fica escorregadio quando a pista está molhada
Infraestrutura: Não há pontos de parada nem estrutura com banheiros e bebedouros