Quando anunciaram, em outubro, que estrelariam novamente o musical Wicked, Fabi Bang, 38, e Myra Ruiz, 30, deixaram os fãs malucos. Em um dia, os ingressos para a estreia, na quinta (9), no Teatro Santander, se esgotaram. E, até o fechamento desta edição, mais de 40 000 tíquetes, que custam entre 25 e 400 reais, haviam sido vendidos — não havia mais assentos para a primeira semana. A temporada vai, por ora, até 25 de junho. O atual fenômeno segue o exemplo da primeira versão brasileira, que levou mais de 340 000 pessoas ao Teatro Renault, entre março e dezembro de 2016.
Um dos maiores sucessos da Broadway, o espetáculo está em cartaz em Nova York desde 2003 e chega a arrecadar 1,8 milhão de dólares em bilheteria numa semana comum. “A gente sabe que, para uma novela, seria normal ter um alcance desses, mas, para teatro, no Brasil, não”, admite Myra, enquanto pinta as unhas de verde-esmeralda no camarim. Essa cor e o preto são os tons de esmalte que a paulistana pode usar para voltar a viver Elphaba, a Bruxa Má do Oeste, que vive uma história de amizade com Glinda, a Bruxa Boa do Norte, interpretada pela segunda vez pela carioca Fabi Bang. Pelos papéis, foram indicadas à melhor atriz no Prêmio Bibi Ferreira em 2016, troféu arrematado por Fabi.
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A peça se baseia no livro do americano Gregory Maguire, de 1995, no qual ele imagina uma realidade anterior à chegada da menina Dorothy à Cidade das Esmeraldas, de O Mágico de Oz. Estudando em uma escola de magia, Glinda (Fabi) é linda e popular e Elphaba (Myra) sofre bullying por ter a pele verde. A cumplicidade entre as personagens virou espetáculo a partir do texto da dramaturga Winnie Holzman e das músicas do diretor Stephen Schwartz, ambos americanos. A montagem atual, encabeçada no Brasil pelo Instituto Artium de Cultura, em parceria com a produtora Atelier de Cultura, é dirigida desta vez pelo americano John Stefaniuk.
Do elenco anterior, só permanece mesmo o duo principal — o cenário, a iluminação e o figurino sofreram ajustes. Mesmo que já tenham vivido as bruxinhas, a ansiedade das duas para a temporada não é menor. “Quando recebi o convite, senti como se a minha vida congelasse. É uma oportunidade incrível, mas pode ser uma cilada, porque é um risco mexer em uma obra que já foi tão bem realizada e aceita”, confessa a atriz carioca. Ela conta que, quando não está ensaiando, faz de tudo para repousar e falar o mínimo possível. Myra evita entrar em lugares com arcon dicionado sem cobrir o rosto e chegou a pedir desculpas por estar falando baixo em uma das entrevistas para a Vejinha. Ela também mostrou hematomas na perna, resultado do esforço físico que a peça exige, com oito horas diárias de ensaio, com apenas uma folga na semana.
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De 2016 para cá, a fama das protagonistas só cresceu, em grande parte pelo sucesso da peça. Mesmo sem grandes papéis na televisão ou no cinema, com as carreiras focadas no teatro musical, de alcance menor, as atrizes vêm acumulando fã-clubes pelo país. Comentários eufóricos se sucederam em vídeos e postagens sobre a volta da peça nas redes sociais. O publicitário Pedro Raposo, 25, vai viajar quase 3 000 quilômetros de Natal (RN) a São Paulo para prestigiar as ídolas. “Estava guardando dinheiro para o show do Ed Sheeran, mas quando anunciaram que Wicked ia voltar, surtei e comprei as passagens e o ingresso”, conta. Como Pedro, a universitária Larissa Vernier, 20, conheceu o espetáculo pela internet. Fez até tatuagem em homenagem às bruxinhas. “Vamos assistir finalmente no dia 25 de maio. A peça me encanta”, diz Larissa.
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A evolução das atrizes também é observada por colegas do ramo. “Myra e Fabi fazem parte de um primeiríssimo time de artistas de musicais e merecem todo o sucesso que alcançaram”, observa o diretor Charles Möeller, que, junto de Claudio Botelho, conduziu Fabi em O Fantasma do Theatro (2002) e Kiss Me, Kate — O Beijo da Megera (2015), e Myra em Nine — Um Musical Felliniano (2015).
Além de colegas, as artistas são amigas. A relação começou nos bastidores de Wicked e guarda até similaridades com a ficção. “A Fabi é bem glitter e rosa, como a Glinda, e eu sou mais do preto, como a Elphaba”, diverte-se Myra. A rivalidade inicial das bruxas, no entanto, nunca esteve presente na vida real. “As pessoas querem ter essa pauta, dizer que ‘por trás das cortinas, nós nos odiamos’, mas não é o nosso caso. Torcemos muito uma pela outra, nem gostamos de disputar papéis”, rebate Fabi. A parceria culminou em shows em que cantam trilhas da Broadway, como Desafiando a Amizade. A relação ainda resultou em um canal no YouTube, hoje pouco ativo, e Myra virou até madrinha da filha de Fabi, Isabel, hoje com 3 anos. “As nossas diferenças só nos aproximam”, acredita a paulistana.
As duas trilharam longo caminho até os holofotes trazidos pela produção de Schwartz. Fabi Bang, ou Fabiane Filgueiras Rendtler Bang, teve quase toda a carreira construída no teatro — são dezessete espetáculos até hoje (apenas um não musical). Demorou uma década para conseguir papel de protagonista. Nascida no bairro de Santa Teresa e formada como bailarina pelo Theatro Municipal do Rio de Janeiro, a carioca só se mudou para São Paulo em 2005, quando participou das audições para O Fantasma da Ópera. A experiência foi particularmente difícil, já que o pai, internado no Rio após um AVC, morreu apenas três horas antes do teste. “Ele era artista plástico e não ia me perdoar se eu deixasse de fazer uma coisa importante para a minha carreira.”
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No posto de bailarina integrante do coro, cismou que queria cantar e atuar em cena também. “Eu achava chiquérrimo usar o microfone na testa, então comecei a fazer aulas de canto para conquistar o meu”, brinca. No início, interpretava personagens menores ou como substituta, como em Miss Saigon (2007). Só em 2015 teve seu primeiro papel com falas: a sensual dançarina Louis Lane em Kiss Me, Kate — O Beijo da Megera. “Você conquista o papel e depara com a sensação de que não é boa o suficiente. Fazer essa personagem me ajudou a matar essa síndrome do impostor”, conta. O sucesso veio com a boazinha Glinda, em Wicked, consolidado com a Ariel em A Pequena Sereia (2018), que voltou aos palcos no ano passado no Santander e atraiu 200 000 espectadores. Do mundo dos contos de fadas, ela ainda viveu a gata borralheira em Cinderella (2021).
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Afora os palcos, fez apenas um trabalho na televisão: foi par romântico de Rafa Vitti como Nina na novela da Globo Rock Story (2016) “Nós, atores de teatro musical, não temos tanta abertura nesse universo (da TV). Estamos sempre ocupados. Mas, sim, eu também gostaria muito de fazer TV. Ouviram, produtores de elenco?”, brinca. Na música, lançou o single Ironias, produzido pelo marido, o compositor Rique Azevedo, e fez um show-solo em 2017.
Assim como a amiga, Myra Ruiz Canzian, com doze musicais no currículo, também entrou para a arte pelas portas do balé clássico, mas acabou se apaixonando pelo teatro quando assistiu a Mary Poppins em sua escola, em Higienópolis, onde cresceu. “Fiquei fissurada. Eu era uma adolescente muito ansiosa e o teatro musical me salvou”, revela. No segundo ano do ensino médio, fez um intercâmbio e foi estudar na Professional Performing Arts, em Nova York, escola com conservatório especializado no ramo, por onde passaram cantoras como Britney Spears e Alicia Keys. Ao voltar a São Paulo, despontou como cover — ator que substitui personagens em caso de ausência — de Sophie, protagonista de Mamma Mia! (2010), vivida na época por Kiara Sasso, então com 31 anos. “Eu tinha 17. Havia feito alguns cursos que me prepararam, mas me senti jogada, do nada, no Teatro Renault, em um grande musical ao lado dos maiores nomes”, relembra.
Seu primeiro papel principal foi como Nina, jovem que larga a faculdade escondido dos pais, em Nas Alturas — Um Musical da Broadway, em 2014. Próximo passo: viver a prostituta Saraghina em Nine, um Musical Felliniano (2015), interpretação muito elogiada. O feito foi superado por Wicked, um ano depois. Na lista entre as mais promissoras artistas de musical, Myra ainda conquistou papéis de destaque em Rent (2016) e Chaplin: o Musical (2018). No ano passado, arrancou suspiros do público ao interpretar Eva Perón, a icônica ex-pri meira dama argentina, em Evita Open Air, num palco aberto no Parque Villa-Lobos. Sua única passagem pela televisão aconteceu em um episódio da série (Des)Encontros (2018), da Sony. “A atuação é a base do meu trabalho”, diz. “Nunca posso subir em um palco sem saber a responsabilidade que carrego interpretando qualquer história que seja.”
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Os musicais da Broadway só começaram a bombar no país a partir dos anos 2000, com Les Misérables (2001), do carioca Claudio Botelho. De lá para cá, surgiram versões ambiciosas de grandes montagens, como O Fantasma da Ópera (2005), que mantém o recorde como o espetáculo do gênero mais visto no país, com cerca de 880 000 espectadores em dois anos.
Na década seguinte, conquistaram os palcos produções como A Família Addams (2012) e O Rei Leão (2013). Responsável por sucessos como Mamma Mia! (2010) e A Noviça Rebelde (2018), a dupla de diretores Möeller e Botelho revelou veteranos como Saulo Vasconcelos e Kiara Sasso e deu um pontapé na carreira de Fabi e Myra. “Quando começamos, éramos até malvistos, parecíamos malucos que estavam tentando emplacar um gênero que nunca daria certo, uma vez que os musicais era gringos e caros”, conta Möeller. Segundo ele, a internet e as redes sociais estreitaram o contato entre os brasileiros e as produções americanas. “Hoje, existem adoradores de musicais, que acompanham o segmento e sabem cantar todas as músicas.” É dessa leva que surgem os fanáticos por Wicked e os responsáveis por fazer Myra e Fabi virarem praticamente popstars de coxia.
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Publicado em VEJA São Paulo de 8 de março de 2023, edição nº 2831