Em 1950, a televisão foi ao ar pela primeira vez no Brasil. De lá até hoje, 70 anos se passaram e um personagem em especial construiu uma trajetória que praticamente se mistura com a história do audiovisual brasileiro.
Mesmo trabalhando a maior parte do tempo longe das câmeras, Roque virou um dos nomes mais respeitados e conhecidos da TV. Famoso pela sua parceria com Silvio Santos, o diretor de auditório foi o primeiro funcionário contratado pelo SBT após a fundação do canal.
Nascido em Boa Esperança do Sul, interior de São Paulo, o diretor de 83 anos fez de tudo um pouco antes de alcançar sua posição atual: já engraxou sapatos, foi office boy, carregou sacolas no mercado municipal. Depois que chegou na emissora, já ajudou até na limpeza do chão.
Na juventude, teve que enfrentar a morte dos pais ainda muito cedo. Com 12 anos de idade, perdeu a mãe, e dos 13 para os 14, seu pai também faleceu. Religioso, afirma que continuou sua vida ao lado e com a força de Deus.
Roque ainda teve muitos momentos difíceis antes de trabalhar com os bastidores da televisão. Em entrevista à VEJA São Paulo, ele fala sobre as complicadas primeiras décadas de sua vida e também de como está encarando o momento de pandemia.
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Como foram seus primeiros anos de vida? Você já pensava em trabalhar com rádio ou televisão?
Nunca pensei nisso. Minha família era muito pobre. Morava num sítio, eu e minha mãe. Perdi ela quando estava com 12 anos mais ou menos, e fiquei pensando ‘o que vou fazer sem minha mãe?’. Foi quando resolvi ir para casa da minha irmã, na Freguesia do Ó, em São Paulo. Ali comecei minha vida. Engraxei sapato, limpei prédio, trabalhei no mercado municipal carregando sacola. Fazia de tudo pra ganhar um dinheirinho. Meu pai ficou sozinho no interior, então resolvi alugar um quarto para ele em São Paulo. Ele era um homem da roça, acostumado a trabalhar, não queria ficar parado. Então, havia um riozinho que passava perto de onde a gente morava e ele resolveu trabalhar lá, tirando areia, mas acabou pegando uma pneumonia. O coitado foi embora e eu fiquei sozinho ao lado de Deus, com ele me guiando.
Como foi sua vida profissional antes da televisão?
Eu comecei na antiga Rádio Nacional, onde Silvio Santos começou também. Antes de chegar lá, estava sem trabalho. Morava em Carapicuíba e consegui um emprego em uma empresa que vendia produtos de alumínio. Combinei com meu chefe que iria chegar às 8h. Mas logo no primeiro dia o trem descarrilhou e só passou na minha região às 10h da manhã.
Quando eu cheguei no trabalho, o patrão me despediu. “Toma sua carteira de trabalho, muito obrigado. Seu horário não combina com o nosso”. Eu, desorientado, não sabia o que fazer. Mas lembrei do programa de rádio do Manuel da Nóbrega.
Chegando lá, me disseram que o programa era livre, que eu podia entrar para assistir. Os porteiros foram muito legais comigo. Um deles perguntou se eu não estava trabalhando e contou que estavam precisando de um office boy. Me perguntaram se eu conhecia as ruas de São Paulo. Respondi que sim, mas na verdade não conhecia nada e comecei a trabalhar lá.
Nas horas vagas, ajudava na portaria. Foi nela que conheci Silvio Santos. Ele cumprimentava todo mundo e acabei pegando uma amizade com ele.
O senhor tem alguma recordação marcante desses primeiros anos de trabalho?
Eu não tinha roupa para trabalhar. Todo dia precisava usar a mesma roupa. Os caras da rádio tiveram dó de mim e me deram algumas. Pelo menos fiquei bem vestido pra atender o público e depois, com o tempo, saiu o canal do Silvio Santos. Trabalhei antes na Vitor Costa, que a Globo comprou, onde eu fiquei mais ou menos entre 15 e 20 anos e depois fui trabalhar do lado do homem mais querido do Brasil.
Existe uma história de que você limpou o chão do SBT quando chegou. É verdade?
Com muito orgulho, fiz isso. E se precisar fazer outra vez, eu faria. Sabe porque? No começo, haviam poucos funcionários no SBT. Me vi na obrigação de ajudar a equipe da limpeza. E se tiver voltar a fazer isso, eu farei com muito orgulho.
Haviam poucos funcionários nos primeiros anos da emissora?
Sim, pouquíssima gente. Hoje a emissora está espalhada por todo o Brasil. Eu continuo aqui, no meu lugarzinho, atendendo o público e criando algumas coisas para levantar o nome do SBT. Quando cheguei no canal, o Silvio conversou comigo. “Roque, você agora é meu funcionário número 1. Você vai ser responsável pelo meu público que me deixou muito rico e famoso em todo Brasil. Você vai ser o responsável”. Hoje, temos o melhor auditório do Brasil.
O SBT tem uma ligação forte com o público
Teve um episódio que me deixou muito triste. Eu estava parado na portaria, chegou uma família que queria conhecer o SBT, mas não era possível entrar na emissora naquele momento. Esse pessoal saiu tão triste dali que aquilo me chocou. “Meu deus, o que que eu vou fazer pra atender essas pessoas?”. Não tinha um programa para poder visitar e elas queriam conhecer a emissora. Foi quando eu bolei, junto com a minha supervisora e com autorização do Silvio Santos, a criação do Tour. Quando alguém, de qualquer lugar do brasil, quiser conhecer o SBT, só precisará ligar para nosso departamento e nós marcamos essa visita. E serão muito bem recebidos porque aqui é o canal da família e a nossa família é o povão.
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Nesses últimos meses, como o senhor e o SBT encararam a pandemia?
Com muita tristeza. Hoje a emissora está parecendo um cemitério. Ninguém mais visita. Mas já estamos voltando a gravar alguns programas, com o maior cuidado. Eu aqui passo a recomendação: essa pandemia que tá matando milhares de pessoas no mundo inteiro é forte, mas tenha certeza, e fé, que não tem mais força que Deus.
Como o Silvio reagiu à paralisação das atividades?
Quem reagiu foi a própria diretoria. Só em São Paulo, o SBT tem mais de 2 000 pessoas empregadas. Veio uma ordem para que todos se afastassem, os de maior idade, como eu que sou da velha guarda, e os mais jovens também. Quem precisasse trabalhar presencialmente, viria de máscara e com todas as medidas de segurança. Algumas pessoas ficaram contentes até porque de máscara ficaram mais bonitas (risos).
E como está sua saúde, Roque?
Graças a Deus, e de Nossa Senhora, estou levando a minha vida bem. O calor, às vezes, faz a pressão da gente cair, mas está tudo certo.
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