Depois do estouro dos Racionais MC’s, no início dos anos 90, os fãs do rap vibraram com o surgimento de outros talentos, como Emicida e Criolo. A bola da vez agora se chama Rincon Sapiência, cantor que apresentou seu primeiro disco completo em 2017, o Galanga Livre. No lançamento, ocorrido no Sesc Pompeia, em setembro, os 1 600 ingressos se esgotaram em menos de 24 horas. O álbum ganhou aplausos da crítica e do público.
O músico, que circulou em turnê na França e em Portugal, abocanhou três dos sete troféus do superjúri do Prêmio Multishow, anunciado no fim de outubro, e foi escolhido o artista do ano pela APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) — prêmios que lhe garantiram um convite para participar como destaque nacional do line-up do Lollapalooza 2018. “Ele é a revelação de 2017”, elogia Dudu Marote, um dos mais respeitados produtores da praça.
Com uma bem bolada mistura de funk, samba, batidas eletrônicas e percussão africana, uma das faixas, Ponta de Lança, foi acessada até agora por mais de 9 milhões de internautas no YouTube. Nesse caldeirão sonoro cabem ainda referências variadas da cultura pop, de Wesley Safadão a Quentin Tarantino.
As dificuldades dos negros são um tema recorrente nas composições. Mas ele também se preocupa em falar sobre as conquistas dessa fatia da população. “Quero fazer um discurso moderno sobre racismo, pondo as pessoas para cima”, afirma o cantor de 32 anos. Em Ponta, por exemplo, defende, com o seu vozeirão grave, a ideia de que a arte é capaz de aumentar a autoestima: “O meu som é um produto pra embelezar, tipo Jequiti, tipo Mary Kay”.
O começo de carreira não foi nada fácil. Em 2011, o cantor, que aprendeu sozinho a tocar teclado e programar batidas, foi chamado para participar do projeto de apostas musicais Prata da Casa, no mesmo Sesc Pompeia, mas amargou uma noite vazia. Na época, ele trazia na manga o single Elegância. “Tocar lá de novo com o espaço cheio teve um sentido maior”, diz.
Até o ano passado, sua média de shows não passava de três por mês. Hoje são quinze apresentações mensais, com cachê para ele e a banda de sete músicos estimado em mais de 20 000 reais.
A primeira parte do nome artístico vem de um apelido que ele recebeu na infância, quando era comparado com o jogador colombiano Freddy Rincón, que na época brilhava no meio-campo do Corinthians. Já Sapiência é uma referência à sua busca por conhecimento, que vai da astrologia à filosofia.
Caçula de três irmãos, criado na Cohab 1, localizada em Artur Alvim, na Zona Leste, ele subiu ao palco pela primeira vez aos 15 anos, quando ainda usava seu nome de batismo, Danilo Albert Ambrosio. A apresentação rolou na Praça Dilva Gomes Martins, ponto de encontro de skatistas conhecido pelos moradores da região como Morcegão.
Antes de alcançar seu lugar na linha de frente do rap, ele foi office-boy, panfleteiro, estoquista e atendente de telemarketing. “Uma vez, deixei o telefone no ocupado durante o trabalho só para ir a um show do Emicida”, conta. Demitido em 2008, quando descobriu que seria pai de Emanuel, hoje com 9 anos, resolveu apostar todas as fichas na música. Deu aulas de rima a jovens que queriam aprender a ser MCs e topou pequenas apresentações. “Cheguei a fazer show sozinho por 300 reais porque não tinha dinheiro para pagar ao DJ”, lembra.
A maré começou a mudar depois de uma viagem à África, em 2012. “Conhecer países como o Senegal e a Mauritânia foi um divisor de águas”, entende. “Dali, passei a estudar os sons africanos, especialmente dos anos 70.” Em 2014, lançou o EP SP Gueto BR, que já trazia alguns elementos que depois seriam explorados em profundidade no Galanga Livre.
O sonho do rapper agora é voltar ao lugar onde tudo começou, o Morcegão. “Quero montar um show na Cohab. E de graça”, planeja.
A estrela que veio da Cohab
Alguns dos números do cantor
9,2 milhões de visualizações da música Ponta de Lança no YouTube
3 troféus entre as sete categorias do superjúri na edição 2017 do Prêmio Multishow
24 horas para esgotar os ingressos dos dois dias de shows no Sesc Pompeia