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“Envelhecer não me chateia”, diz Paul McCartney

Cantor fala com exclusividade a VEJA SÃO PAULO sobre os Beatles, a família, a vida de roqueiro veterano e os shows que fará por aqui

Por Carol Pascoal
Atualizado em 5 dez 2016, 13h48 - Publicado em 21 nov 2014, 23h00
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  • Se o rock morreu, como vêm apregoando alguns críticos, com base no momento de baixa de um gênero que viveu seu auge há mais de quarenta anos, São Paulo vai receber nos dias 25 e 26 um fantasma — e dos bons. Paul McCartney tem ótimas credenciais para desempenhar o papel de espectro. Até hoje, alguns fãs, talvez os mesmos que de tempos em tempos avistam Elvis Presley vivinho da silva em algum posto de gasolina no interior dos Estados Unidos, debatem seriamente o boato absurdo segundo o qual o ex-beatle teria morrido em um acidente de carro em 1966. Ainda de acordo com essa lenda, para continuar a banda, John, George e Ringo colocaram na surdina um sósia no lugar do defunto e espalharam mensagens sutis nos discos a respeito do falecimento do colega.

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    Não bastassem as teorias conspiratórias, o lendário baixista, cantor e compositor também é tratado por um grupo de especialistas como uma assombração do passado que não faz nada de muito relevante desde a década de 70 e lucra em cima da nostalgia. As multidões que continuam lotando seus shows (segundo a revista americana Billboard, a atual turnê faturou 165 milhões de dólares com a venda de 1,2 milhão de ingressos), é claro, têm uma visão bem diferente. O principal argumento: depois de assinar obras-primas como Yesterday, Hey Jude e Eleanor Rigby, ele poderia passar o resto da vida de pijama e pantufas em uma poltrona, tomando chá. Em vez disso, mesmo com o rosto esticado por Botox e a voz falhando um pouquinho nas notas mais altas, continua na ativa, aos 72 anos. Não chega a ser um Mick Jagger no palco, mas demonstra fôlego suficiente para dar conta das quase três horas de espetáculo.

    É uma dádiva para muitos que sir Paul, título que recebeu da coroa inglesa em 1997, queira relembrar ao vivo ainda as pérolas de seu impressionante catálogo de hits. Em uma manhã de quinta-feira, depois de levar a caçula Beatrice, de 11 anos, à escola (tem outros quatro filhos), o astro que se apresenta na próxima semana no novo estádio do Palmeiras, o Allianz Parque, falou a VEJA SÃO PAULO sobre a longevidade de seu sucesso, entre outros assuntos (veja a entrevista na pág. 40). “As músicas soam frescas e atuais, e eu não sei o motivo disso”, afirmou, por telefone, durante uma passagem por Nova York. “Os shows no Brasil, por exemplo, têm uma mistura de gerações na plateia que resulta em um clima de festa de família. ”No espetáculo que chega a São Paulo, parte do tour mundial Out There!, Macca, como é chamado pelos fãs, mostra todo o seu impressionante arsenal de talentos no palco.

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    Além do famoso baixo Hofner com o corpo em formato de violino, ele toca piano, guitarra e uquelele (uma espécie de cavaquinho havaiano), entre outros instrumentos. Mais da metade do repertório vem dos tempos de Liverpool. Antes de interpretar Paperback Writer, por exemplo, revela que a guitarra em punho é a mesma utilizada na gravação de músicas na década de 60. Quando canta Here Today, faz uma homenagem ao parceiro John Lennon dizendo que muitas vezes não damos o valor merecido às pessoas enquanto elas estão vivas. George Harrison e a ex-mulher Linda, por sua vez, são lembrados por Paul em Something e Maybe I’m Amazed, respectivamente.

    A princípio, a única data disponível para São Paulo era a próxima terça (25). Os 45 000 ingressos, no entanto, com preços entre 220 e 700 reais, esgotaram-se no primeiro dia. Um novo show acabou sendo agendado para o dia seguinte. Até a última quinta (20), havia ainda 10% de bilhetes disponíveis nos setores pista premium e camarotes (confira o serviço completo do show na pág. 124). O ex-beatle estará com a banda que o acompanha há mais de dez anos — formada por Paul “Wix” Wickens (teclados), Brian Ray (baixo e guitarra), Rusty Anderson (guitarra) e Abe Laboriel Jr (bateria).

    Virão para cá também uma equipe de 320 profissionais, 42 carretas, uma estrutura metálica de montagem que pesa cerca de 150 toneladas e 150 caixas de som com potência de 200 000 watts. Como todo astro desse porte, ele mandou uma lista grande de exigências para os bastidores dos espetáculos, a começar por dez Toyota Lexus que devem ficar à disposição do músico e de seu staff. No camarim, como Paul é vegetariano e ativista da proteção aos animais, a mobília não pode ser feita de pele natural nem mesmo ter estampa de bicho — ou seja, nada de couro nem imitação. Os móveis e carpetes deverão ser de cores neutras e claras, mas não brancos. No quesito plantas, Macca quer oitenta gérberas de cores sortidas, divididas em oito arranjos.

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    Mesmo com uma rotina agitada, o inglês encontra tempo hoje para se dedicar a causas em que acredita, como o projeto Meat Free Monday (segunda-feira sem carne), além de se esforçar para ser presente como pai, marido (ele se casou, pela terceira vez, em 2011, com a milionária americana Nancy Shevell) e avô (são oito netos). Sempre comparece à primeira fila dos desfiles da filha Stella McCartney, por exemplo. “É um alívio poder fazer algo cotidiano como outra pessoa qualquer”, afirma Paul, como se encontrasse nisso uma maneira de equilibrar os dois mundos em que vive, o de pop star e o de pessoa comum. Desacelerar, contudo, não está nos seus planos. “Se alguém não gosta do emprego e vai atrás da aposentadoria, eu entendo. Tenho a sorte de o meu trabalho ser o meu hobby; então eu continuaria tocando mesmo que estivesse aposentado.”

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    “Se as pessoas gostam e eu continuo me divertindo nos shows, por que parar?”

    Devo chamá-lo de sir?

    Não, pode me chamar de rei (risos).

    Durante a atual turnê, o senhor precisou cancelar alguns shows devido a um vírus. Como se sentiu com a pausa?

    As pessoas estavam preocupadas comigo. Foi muito engraçado, porque os médicos disseram que eu teria de descansar por seis semanas, então elas vinham me falar: “Caramba, vai odiar esse período. Você gosta tanto de trabalhar e viajar”. Eu respondia que amo trabalhar, mas prefiro descansar. Tive tempo de ler e entrei em estúdio para me divertir um pouco. Aproveitei o tempo para descansar e foi brilhante.

    Como é viver no tempo em que a venda dos discos não garante a sobrevivência do artista?

    O panorama mudou muito desde que entrei no negócio, mas o mais interessante é que isso não me afeta diretamente. Enquanto as pessoas tiverem interesse por ouvir música, alguém estará compondo e se apresentando. E é aí que eu entro. Esse é o meu trabalho. Não importa a maneira como o material é distribuído. Se é em vinil, CD, fita cassete ou download, não faz nenhuma diferença para mim. A minha satisfação é que as pessoas gostem do conteúdo. Há alguns anos, o Radiohead deu aos consumidores a oportunidade de escolher quanto gostariam de pagar por um álbum. Caso os Beatles fizessem algo semelhante, quanto acha que os fãs aceitariam pagar hoje por obras como Abbey Road? Eu não faço ideia. Mas acho que no mínimo 2 dólares (risos).

    O senhor ainda se espanta com o fato de as novas gerações continuarem se encantando com os Beatles?

    Eu e a banda notamos muito essa variação de idade durante as turnês. Vemos pessoas que cresceram com aquela música, jovens que ouviram por causa dos pais e dos avós e crianças que estão tendo um primeiro contato com aquele som. As músicas ainda soam frescas e atuais, e eu não sei o motivo disso. Os shows no Brasil, por exemplo, têm essa mistura de gerações na plateia que resulta em um clima de festa de família. É claro que me surpreende o fato de que pessoas da minha idade e crianças sejam tocadas por essas canções. Ainda ouve o material do grupo? Eu ouço as nossas músicas da mesma maneira que escuto outros artistas. Gosto da maioria das canções que fizemos. A única diferença entre ouvir Beatles e as outras bandas é que as músicas me trazem muitas recordações. Lembro da gente em estúdio e da minha convivência com os outros caras (John, George e Ringo) criando essas músicas. Continua sendo empolgante escutar o material. Para mim, ouvir as canções dos Beatles é como tornar Johne George vivos novamente.

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    O senhor tem uma filha de 11 anos, Beatrice, e também possui netos. Como eles lidam com o fato de conviver com um astro?

    As crianças não me aborrecem com isso, elas não enlouquecem pelo fato de eu ser Paul McCartney. A minha filha e os meus netos gostam das músicas dos Beatles, mas também têm seu gosto pessoal. Eles me chamam de papai e vovô e muitas vezes me mandam calar a boca, porque querem simplesmente ver televisão. Como separar o artista do pai, avô e marido?Isso é algo que eu preciso fazer. É como viver em dois mundos ao mesmo tempo, e acho ótimo que eu consiga encontrar o equilíbrio entre eles. Seria entediante ter de escolher e viver para sempre apenas uma das vidas que tenho. Nesta manhã, eu fiz o café e levei minha filha caçula à escola, assim como qualquer pai. Converso com os professores e com os pais dos outros alunos da forma mais natural possível. É um alívio poder fazer algo rotineiro como uma pessoa qualquer. O outro lado é que em breve vou ao Brasil para fazer a turnê, subir no palco, cantar, tocar guitarra e tudo aquilo. Eu sou sortudo por ter esses dois lindos lados.

    Qual a diferença de tocar rock aos 18 e aos 72 anos?

    A única diferença é que naquele tempo eu não era conhecido e agora sou. Continua sendo tão divertido ou até mais divertido do que era antes, porque hoje o público sabe a minha história. No começo, você se esforça para mostrar quem é.

    Os seus shows têm quase três horas de duração. Como o senhor se prepara?

    É mais simples do que as pessoas imaginam. Faço ginástica, mas nada em exagero. Acho importante sempre estar presente na passagem de som ao lado da banda, porque isso nos dá uma química. O grande segredo é que amo subir no palco, então não tenho de pensar muito a respeito. Eu me divirto ficando aquele tempo todo ali em cima. Penso nos shows como uma festa. Se você perguntar a alguém como aguenta dançar sem parar em uma festa durante três horas, essa pessoa responderá que é porque a festa e a música são boas. É isso.

    Em algum momento o senhor pensou: “Estou ficando velho, e agora?”

    Acho que todo mundo que passa dos 30 anos pensa nisso. Até gente com 25 deve pensar. Mas envelhecer não é algo que me chateia. A única diferença é o tempo de vida mesmo. Enquanto eu estiver saudável, feliz e tiver bons amigos e família, isso não vai me incomodar.

    O senhor pensa em se aposentar?

    Quando eu fiz 65 anos, achei que aquela era a idade da aposentadoria. Mas pensei: se as pessoas ainda querem ir aos meus shows e eu ainda quero tocar, por que parar? Se alguém não gosta do emprego e vai atrás da aposentadoria, eu entendo. Tenho a sorte de o meu trabalho ser o meu hobby, então eu continuaria tocando mesmo se estivesse aposentado. Atualmente, procuro descansar um pouco mais, mas ainda amo o que faço. 

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    Caso não tivesse feito parte dos Beatles, como acha que seria a sua vida?

    Eu seria um leiteiro, definitivamente. Iria de porta em porta vendendo leite. Eu também poderia ser um professor de inglês, mas prefiro o emprego que escolhi. ■

     

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