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Após ficar paraplégica, Carol Ignarra cria empresa que cresce até na pandemia

Leia uma adaptação do capítulo que ela narra sua jornada no novo livro Humanos de Negócios

Por Rodrigo V. Cunha
18 dez 2020, 06h00
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  • Quatro cadeirantes em uma faixa de pedestres, fazendo alusão a capa do álbum Abbey Road, dos The Beatles
    Ignarra (segunda a partir da esq.): “Eu tinha estudado anatomia, quando acordei no hospital sabia que estava paraplégica” (Juliana Ramalho/Divulgação)

    Dançar sempre foi uma das atividades favoritas da paulistana Carolina Ignarra, 42. Em 2001, ela resolveu ir de moto a um forró. Acordou no hospital quatro dias depois, sem ideia do que tinha acontecido. Carol foi atingida por um carro que fazia uma conversão e não a viu. Na queda, suas pernas ficaram presas na moto e seu tronco se retorceu. Ela fraturou vértebras e lesionou a medula. “Eu sou formada em educação física, havia estudado anatomia e feito um trabalho direcionado a deficientes físicos. Quando acordei e não senti as pernas, ninguém precisou me contar que estava paraplégica”, ela relembra.

    Quando saiu do hospital, um mês e meio depois, Carol foi recebida com uma festa na casa de um vizinho, que tinha chamado até uma banda para tocar no evento. Ali começava um longo processo de recuperação e reabilitação. Seria preciso reaprender tudo, desde como ir ao banheiro até como se vestir.

    Três meses depois do acidente, Andressa Pinheiro, gestora da Movimento, consultoria de saúde corporativa onde Carol trabalhava, foi até a casa dela convidá-la para voltar à ativa. “Não deu tempo de chorar. Logo eu já estava trabalhando de novo, em algo que respeitava a minha formação e que ao mesmo tempo eu poderia fazer de casa”, ela conta.

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    Carol passou a montar aulas para outros professores aplicarem. Uma vez por mês, ela apresentava o planejamento. Também escrevia um informativo mensal sobre saúde para as empresas clientes. Um ano após o acidente, assumiu outras funções na Movimento, principalmente depois que reaprendeu a dirigir. Quando um cliente contratou uma funcionária cadeirante, Carol foi designada para dar a ela aulas de ginástica laboral. “Fiquei uns dias sem dormir, estava com vergonha de dar aulas em cadeira de rodas. Mas, depois daquele dia, senti que podia fazer tudo o que quisesse, que poderia chegar mais longe. Comecei a dar aula três vezes por semana. As minhas aulas eram sempre lotadas. Eu dava muito resultado para a empresa”, diz.

    Carol treinando. Enquanto é empurrada por colegas, ela tenta alcançar a parte de cima de um muro verde, com auxílio de outras pessoas já na parte de cima
    Treinamento na Movimento: nove meses após a queda de motocicleta (Acervo Pessoal/Divulgação)

    Em 2004, porém, Carol notou que uma situação se repetia nas empresas onde passou a atuar: inevitavelmente ela era convidada para ocupar vagas de recepcionista ou secretária. Eram boas oportunidades, mas não combinavam com seu perfil. Ela resolveu investigar o motivo e descobriu a lei de cotas para contratação de pessoas com deficiência. Já tinha ouvido sobre o dispositivo, criado em 1991 para incentivar a inclusão no mercado de trabalho.

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    A lei demorou nove anos para ser regulamentada e outros quatro para ter as deficiências especificadas, o que abriu brecha para as empresas se esquivarem da norma. Em 2009, a média de cumprimento da lei, segundo levantamento do Espaço Cidadania, com base em dados do Ministério do Trabalho, era de apenas 21,4%. Ao conhecer melhor esse problema, Carol identificou uma oportunidade. “Percebi que as empresas não sabiam contratar de um jeito humano. Elas contratavam pela obrigação, e não pelo perfil do profissional”, concluiu a paulistana.

    A partir daí, suas aulas corporativas se transformaram em uma espécie de ginástica inclusiva. Carol pedia às pessoas que fechassem os olhos e explicava coisas que um cego poderia fazer, por exemplo. Deu a essas aulas o nome de Movimento Incluir. Criou uma palestra maior e logo já não tinha mais tempo de cuidar dos 32 clientes. Então, fez a proposta às donas da Movimento: tornarem-se sócias em uma nova empresa chamada Movimento Incluir. Elas toparam. No início, usaram o mesmo CNPJ e dividiam o lucro: 40% para as sócias e 60% para Carol.

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    Anos antes, em 2003, Carol e Tabata Contri, uma amiga que conheceu na reabilitação, tinham montado um grupo de teatro com outros quinze cadeirantes na Oficina dos Menestréis. O teatro a ajudou a se soltar nas palestras e virou uma oportunidade de carreira para Tabata, chamada para uma ponta na novela Viver a Vida, da Rede Globo. Seis anos depois, as amigas se reuniram novamente. A Movimento Incluir tinha crescido e Tabata começou a participar das palestras, contando sua experiência como atriz. Virou um sucesso e as apresentações passaram a ser cada vez mais requisitadas.

    “Percebi que as marcas contratavam pela obrigação (legal), e não pelo perfil do profissional”

    Carol Ignarra

    A demanda começou a virar um problema para Carol, que não conseguia aumentar a receita do negócio, afinal precisaria entregar aquilo que iria vender. Ela buscou um curso de empreendedores no Sebrae chamado Empretec. Também falou sobre a situação com Juliana Ramalho, a melhor amiga da época de colégio. Juliana tinha acabado de voltar de um MBA na Universidade de Columbia, em Nova York, e fundado a Talento Sênior, uma empresa desenhada para dar continuidade de carreira a profissionais mais velhos. As duas resolveram se associar. Em 2008, contaram às sócias da Movimento que sua área estava virando uma empresa separada, chamada Talento Incluir, voltada ao recrutamento de pessoas com deficiência. Todas ficaram felizes por verem nascer, dentro do negócio, uma empresa com preocupação social e viés de inclusão.

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    De lá para cá, Carol casou-se, engravidou, fez uma pós-graduação em psicologia de grupos e um aprofundamento em neuroaprendizagem. “Nunca tive tempo para me preparar. A empresa foi acontecendo na minha vida. Nunca fiz um plano de negócios. Sempre fui corajosa, abracei as oportunidades e vendi coisas que a gente nem tinha ainda. No início, quando me perguntavam se fazia recrutamento e seleção, eu disse que não, mas logo vi que estava perdendo uma oportunidade. Passei a falar que tinha o serviço e tive de ir atrás para entregar. Coragem é algo que nunca pode faltar a um empreendedor”, ela diz.

    A Talento Incluir segue em crescimento mesmo na pandemia. Hoje, são cerca de vinte pessoas no time. Juliana saiu do banco onde trabalhou até 2018 para focar na empresa. Tabata continua ali, desenvolvendo cursos e treinamentos, assim como o pai de Juliana, com 82 anos, à frente da contabilidade. Não poderia ser diferente para Carol, que sempre teve o apoio da família e dos amigos para reconstruir sua vida e realizar seus sonhos. Carol inspira as pessoas não apenas pela história de superação, mas também pela forma com que fala de inclusão e deficiência. É forte e delicada; é otimista e realista. Uma verdadeira humana de negócios.

    Rodrigo V. Cunha sentando em uma mesa
    Rodrigo V. Cunha: jornalista e CEO do Profile (Daniel Pinheiro/Divulgação)

    Rodrigo V. Cunha é jornalista, CEO da Profile e acaba de lançar Humanos de Negócios (Ed. Voo), livro sobre a trajetória de empreendedores e de executivos que provocam mudanças positivas no mundo.

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    Publicado em VEJA São Paulo de 23 de dezembro de 2020, edição nº 2718

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