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No meio do lixão

A única exceção à Lei Cidade Limpa que eu aprovaria se prefeito fosse seria para os cinemas. Sinto falta da programação estampada nas fachadas da rua, como havia antigamente. É isso que me vem à cabeça enquanto olho os cartazes dos filmes no 1º andar do Center 3, aquele da esquina da Paulista com a […]

Por Matthew Shirts
Atualizado em 5 dez 2016, 13h54 - Publicado em 23 out 2014, 23h59
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  • A única exceção à Lei Cidade Limpa que eu aprovaria se prefeito fosse seria para os cinemas. Sinto falta da programação estampada nas fachadas da rua, como havia antigamente. É isso que me vem à cabeça enquanto olho os cartazes dos filmes no 1º andar do Center 3, aquele da esquina da Paulista com a Augusta. Chegara com a esperança de assistir ao badalado Garota Exemplar. Mas não estava em exibição no local. Devorei o livro com prazer. Pouco sei sobre o longa. Adoro vir ao cinema com pouca informação, sobretudo a pé ou de metrô, mesmo só. A melhor região para isso, quiçá no mundo, vai do Belas Artes, na Consolação, até o Reserva Cultural, e inclui no roteiro todos os cinemas de rua — ou quase de rua — das adjacências.

    Não há nada mais que eu queira ver no Center 3 nesta tarde de sábado. Mas o título de um filme chama a minha atenção, Trash — A Esperança Vem do Lixo. Traz uma imagem de crianças brasileiras e pobres, pelo jeito, no meio de um lixão. Seria um documentário? Sou interessado na questão dos resíduos no país. Estudo o assunto por dever do ofício. Considero-o importante, urgente até. Mas neste momento estou à procura de entretenimento mais do que de informação. Alguma coisa com a Scarlett Johansson, talvez. É sábado. Ninguém é de ferro, como se sabe.

    Um nome no cartaz do filme do lixo me atrai, no entanto. Martin Sheen. Paro para ler. “Como assim?”, penso.

    O que faz o lendário ator de Apocalypse Now, um dos maiores filmes de todos os tempos, num documentário sobre lixo no Brasil? Não é possível. Leio mais um pouco. Descubro que não é um documentário. Nem é exatamente brasileiro. Passa-se no Rio de Janeiro, pelo jeito. Traz Wagner Moura num dos papéis, sim. Mas foi dirigido por Stephen Daldry, responsável pela pequena obra-prima Billy Elliot, ainda segundo o cartaz.

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    Como quero crer que a mistura da cultura anglo-saxônica com a ibero-brasileira pode render bons frutos, decido que preciso mesmo assistir ao filme. Não há outra opção. Se alguém tem de vê-lo, sou eu, penso cá com meus botões e um pouco de pretensão. Começa em quarenta minutos. Perfeito. Dá tempo de enfrentar a fila grudenta do Starbucks e tomar um café antes de entrar no cinema. Desço até o andar de baixo da galeria, o da Rua Luís Coelho. Adoro checar o movimento dali. É muito paulistana a área entre a Ofner e o Starbucks. Há até uma espécie de pracinha entre os dois cafés, com uma banca de revistas das boas, uma fila da loteca e muito movimento de gente interessante.

    O filme, diga-se, é um policial. Dos bons, descubro ali na sala 6 do cinema, com o ar-condicionado no talo e o café já tomado. O suspense funciona. Desenrola-se entre a favela, o lixão, a penitenciária e o cemitério no Rio de Janeiro. Traz personagens gringos e nacionais. É duro para com o Brasil. Apresenta um retrato do aparelho de repressão do Estado, que deixa à vista suas origens coloniais. Dá a impressão de um povo que se autocoloniza. As cenas do lixão são fortes também. Saio satisfeito da sala 6 do cinema, desço a escada rolante e ando pensativo até a calçada da Paulista. A ficção, benfeita, reflito, torna palatáveis assuntos que de outra forma talvez preferíssemos esquecer.

    matthew@abril.com.br

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