Entre uma visita à Estátua da Liberdade, um passeio pelo Central Park e muitas compras, os turistas que viajam para Nova York costumam aproveitar parte de seu tempo em uma das principais atrações da cidade, os musicais. Adaptação da clássica animação da Disney, a peça O Rei Leão lidera a lista dos espetáculos mais procurados. É dela o título de maior bilheteria da Broadway. A superprodução, que está há dezesseis anos em cartaz, multiplicou-se por quinze países, arrecadou 5 bilhões de dólares e foi aplaudida por 66 milhões de pessoas. Agora, desembarca pela primeira vez na América do Sul, em temporada que vai de quinta (28) até pelo menos dezembro, no Teatro Renault, na Bela Vista. É, sem dúvida, o maior e mais caro musical que já passou pelos palcos paulistanos, com investimento de 50 milhões de reais. A Família Addams, por exemplo, custou metade desse valor. “Brigamos para trazer esse show para cá desde 2001”, afirma Stephanie Mayorkis, diretora de conteúdo da divisão Family Entertainment da produtora Time for Fun, cuja parceria com a Disney inclui apresentações futuras de Mary Poppins e A Pequena Sereia. “Hoje, o mercado brasileiro está maduro para receber algo de porte tão grande.”
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A jornada do leão Simba, que herda o reino africano do pai, Mufasa, mas foge ao achar que é culpado por sua morte, causa arrepios e faz boa parte da plateia cair no choro. Há muito, muito trabalho atrás das cortinas. A premiada montagem nova-iorquina é referência para as adaptações estrangeiras. Por isso, uma equipe americana da Disney que hoje totaliza 35 integrantes veio ao Brasil em junho para acompanhar todas as etapas, das audições à estreia. São observados detalhes que vão da entonação da voz à posição do cenário. “Temos o mesmo padrão de qualidade no mundo inteiro”, explica o canadense John Stefaniuk, diretor associado que se considera sincero até demais em suas críticas. “Exijo absolutamente o melhor do nosso time, minhas expectativas são bastante altas.” Funcionário da Disney há uma década, Stefaniuk acompanhou os dois meses de ensaios na cidade (os preparativos começaram em fevereiro). O diretor sabe todas as cenas de cor. Afinal, comandou de perto o desenvolvimento de seis montagens, como a de Singapura e a de Paris. Por aqui, fez dois passeios clássicos nas horas vagas: viu o Carnaval no Sambódromo e visitou o Rio de Janeiro. Sofreu, porém, um imprevisto: foi parar no Hospital Israelita Albert Einstein para retirar o apêndice. Apenas quatro dias depois da cirurgia, já estava gesticulando e corria de lá para cá no palco para instruir os atores. “Às vezes, acho que estou dirigindo um zoológico, digo coisas como ‘o elefante entra por aqui’ ou ‘essa girafa está fora do lugar’”, conta.
Uma vez dentro do espetáculo, é como se o escolhido fizesse parte da chamada “família Rei Leão”. O regime de trabalho é do tipo espartano. Atrasos não são tolerados. Quem desobedecer às regras pode ter parte do salário descontada. A rígida rotina, com ensaios diários de até onze horas (alguns se alongam até meia-noite), inclui cenas que demandam bastante resistência física. Por isso, um grupo de quatro fisioterapeutas fica a postos. Em um só dia, fizeram 35 atendimentos. “Meu único foco agora é O Rei Leão. Fica impossível me desligar totalmente do trabalho quando chego em casa”, afirma César Mello, ator global que interpreta Mufasa, o pai de Simba. Nos seus preparativos, assistiu a filmes para tirar lições de como se portar como um guerreiro. Entre eles, aparece Gladiador e outro longa, com a história do conquistador Genghis Khan.
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Apesar de todos os desafios, a maior parte do elenco de 53 atores está extremamente eufórica em participar do espetáculo. Para todos eles, conseguir uma vaga foi uma vitória. Em junho do ano passado, rolaram as primeiras audições em São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador. Depois, o processo se desdobrou em mais duas etapas aqui na cidade. Morador da favela do Vidigal, o carioca Tiago Barbosa, de 28 anos, concorreu com 2 000 candidatos e ganhou o papel do protagonista, Simba. De gogó afinado, ele acabara de participar do programa de calouros Ídolos, da Record. “Eu pensei: ‘Deus, é a chance de mudar minha história’”, diz Barbosa, evangélico da igreja Renascer em Cristo, filho de um pintor e de uma dona de casa. Em seu teste final, a criadora do espetáculo original, Julie Taymor, chorou ao ouvi-lo cantar, selecionou-o na hora e acrescentou que nunca havia visto ninguém interpretar o papel tão bem. Ele usava, na época, um penteado repleto de dreads até a cintura. “Perguntaram se eu cortaria o cabelo para fazer o Simba. Eu disse que cortaria até a orelha”, lembra. Entre as mudanças de visual, também ganhou 4 quilos de massa muscular e secou o tanquinho após cortar refrigerantes.
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De diferentes partes do país, os membros da equipe contam com vários tipos de currículo. Há, por exemplo, um artista que dançava com a cantora Jennifer Lopez e outro que participou do Cirque du Soleil. Vinda de Minas Gerais, a atriz Josi Lopes foi escolhida para representar Nala, o par romântico de Simba. Chorou quanto podia depois de ser aprovada. “Ainda não caiu a ficha. Por isso acho que estou mantendo a calma”, diz. Josi tem quatro versões míni, assim como Barbosa. Oito crianças, todas com 12 anos de idade, revezam-se nos papéis do casal na infância. Seus movimentos não escapam aos olhos de duas babás que as ajudam nos bastidores. Nos camarins, há desenhos e dicas como “respeitar as tias” e “ter higiene”.
Com dois filhos pequenos, Marcelo Klabin, de 38 anos, foi contratado inicialmente para atuar fazendo réplicas. No mundo teatral, isso significa que nas audições ele interpretava as falas de todos os personagens para o ator em teste responder a elas conforme havia ensaiado. Os diretores da Disney acabaram prestando mais atenção em Klabin do que nos candidatos e o convidaram para interpretar Pumba, personagem de um javali, imortalizado ao lado do suricato Timão na música Hakuna Matata. Ele usa um figurino que pesa cerca de 30 quilos. “Quando vesti aquilo, pensei que não duraria um minuto em cena”, afirma. Agora, depois de muitas bolsas de água quente, sente-se à vontade para cantar e dançar dentro da roupa durante as quase três horas de espetáculo seguidas.
No elenco, existem ainda os veteranos do musical. A paulistana Jeane Guimarães está em sua quarta produção. Começou na Holanda, onde morava. Apaixonou-se por um dos percussionistas do espetáculo e eles se casaram por lá (o holandês também participa da montagem brasileira). Depois, viajou para Singapura e França. “Não há nada melhor do que cantar na minha língua”, descobriu Jeane, que se reveza em seis papéis. Toda montagem de O Rei Leão conta com um grupo de sul-africanos, já que na trilha sonora há canções em línguas nativas. Para o Brasil, vieram onze estrangeiros. Diariamente, eles batem ponto em aulas para aprender português. Tradutores de inglês ficam de plantão na hora dos ensaios para ajudar na comunicação.
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Por ser uma superprodução, O Rei Leão demanda uma logística desafiadora: 35 toneladas de cenário e figurino chegaram à cidade em 22 contêineres. Foi necessário construir no Teatro Renault anexos para guardar o material mais dois camarotes laterais para acomodar os percussionistas. Para escrever as letras em português sobre melodias de Elton John, diferentes das já conhecidas no filme, foi convocado o cantor e compositor Gilberto Gil. A trilha será executada por uma orquestra de dez músicos. No quesito maquiagem e perucas, cinco profissionais treinados durante quatro meses ficam encarregados da tarefa. “Às vezes, temos apenas trinta segundos para trocar o visual durante o espetáculo”, explica Simone Momo, que vive cercada de pincéis e lenços umedecidos. O grande segredo da produção, entretanto, surge nas marionetes, nas máscaras e nos bonecos. Criadora do espetáculo, Julie Taymor pensou em um jeito diferente de retratar os bichos. Ela, que já dirigiu, entre outros filmes, Across the Universe e Frida, usou influências como técnicas do teatro oriental e cenografia do século XVII para bolar os apetrechos. O objetivo é que se possa ver o desempenho tanto do ator quanto do animal que ele representa. Em alguns casos, como no do guepardo, uma marionete fica acoplada ao corpo da dançarina. Graças a um conjunto de fios e bastões manipulados pela artista, o boneco reproduz os seus movimentos no palco.
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O Rei Leão chega para coroar uma crescente cena de musicais em São Paulo. Para o futuro, estão programados, por exemplo, Shrek e Kiss Me, Kate. “Quando começamos, não encontrávamos elenco ou equipe técnica especializada”, recorda-se o diretor Charles Möeller, veterano do segmento junto de Claudio Botelho, atualmente em cartaz com O Mágico de Oz e Milton Nascimento — Nada Será Como Antes. O Rei Leão já está com ingressos disponíveis, que custam de 50 a 280 reais. Restam poucos lugares na maioria das sessões à venda, em uma plateia de 1 500 assentos. O rei da savana e também dos musicais poderá levar, assim esperam os produtores, mais de 350 000 espectadores ao teatro.
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► GIGANTE DOS PALCOS
A estrutura de O Rei Leão comparada com a de outros musicais que já passaram por aqui
■ Custou 50 milhões de reais, enquanto A Família Addams (2012) consumiu metade desse valor
■ Terá sete sessões semanais, contra cinco de Chicago (2004)
■ Sua temporada durará pelo menos nove meses. Hairspray (2010) ficou em cartaz na capital por quatro meses
■ O elenco reúne 53 artistas, contra 38 de Cats (2010)
■ Emprega noventa homens e mulheres nos bastidores. O Rei e Eu (2010) tinha cinquenta
■ Pretende receber 350 000 espectadores. Miss Saigon (2007) foi aplaudido por 250 000