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Os bastidores das exposições imersivas, que conquistam mesmo sem obras originais

Só no primeiro semestre deste ano, chegam à capital três novas mostras, que exibem projeções de trabalhos de artistas como Frida Kahlo e Picasso

Por Júlia Rodrigues
Atualizado em 27 jan 2023, 09h57 - Publicado em 27 jan 2023, 06h00
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  • Quem diria, décadas atrás, que no futuro as exposições de maior sucesso em São Paulo não teriam sequer um quadro, escultura ou instalação original do artista em destaque? Pois é. As chamadas exposições imersivas, totalmente baseadas em projeções visuais inspiradas nas obras, surgidas na capital em 2019, se tornaram um fenômeno de público e são a principal aposta de diversos espaços culturais para 2023, com pelo menos quatro grandes exibições programadas no ano.

    A agenda terá nomes do calibre de Frida Kahlo, Michelangelo e Picasso — além da concorridíssima Monet à Beira d’Água, já em exibição desde o fim do ano passado no Parque Villa-Lobos (veja os detalhes de cada uma delas a seguir). “São mostras mais atrativas porque nelas a ‘leitura’ da arte é mais fácil — e até saborosa”, diz Roberto Bertani, coordenador do curso de artes visuais do Centro Universitário Belas Artes. “Parece que o público estava um pouco cansado das exposições tradicionais, que exigem uma bagagem cultural maior para serem compreendidas”, afirma o especialista.

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    A escalada das bilheterias aparentemente confirma a tese. A primeira exposição imersiva de São Paulo, em novembro de 2019, aconteceu no MIS Experiencie — serviu justamente para a inauguração do espaço, um braço do Museu da Imagem e do Som especializado em mostras do gênero. Era Leonardo da Vinci: 500 Anos de um Gênio. Novidade na cidade, atraiu mais de 500 000 pessoas em quatro meses de evento. A pandemia, claro, interrompeu o circuito. Mas, desde a reabertura dos espaços culturais, praticamente todas as empreitadas repetiram o sucesso da exposição pioneira. Beyond Van Gogh, no primeiro semestre de 2022, teve 480 000 visitantes. Portinari para Todos, também no ano passado, atraiu 240 000. Todas superam, de longe, a frequência média dos principais museus da cidade — a do Masp é próxima de 44 000 por mês, e a da Pinacoteca fica em 47 000.

    Vale mencionar, para que a comparação seja justa, que a maior exposição da história do Masp, sobre Tarsila do Amaral, em 2019, superou a marca de 400 000 visitantes. Era, porém, um ponto fora da curva. A última vez que uma atração do museu atingiu o mesmo patamar foi em 1997, quando trouxe ao país 23 pinturas de Claude Monet.

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    São números ainda mais impressionantes se considerarmos que nenhuma das imersivas exibiu qualquer obra original dos artistas. Por outro lado, oferecem um entretenimento acessível e, digamos, irresistível. Imagine, em vez de apenas contemplar uma tela de Monet (o Masp, por sinal, tem duas), visitar os próprios jardins floridos que inspiraram o impressionista francês. Imagine, em vez de admirar um quadro de Picasso, ver-se rodeado pelas figuras cubistas do mestre catalão. “São exposições que conseguem envolver outros sentidos além da visão”, resume o curador e produtor cultural Marcello Dantas. “As imersivas são espaços menos formais e mais ‘amigáveis’ que os museus”, completa Bertani.

    Na esteira do sucesso, as novas exposições são, claro, um grande negócio. Mesmo com a alta tecnologia envolvida (veja no boxe abaixo), são mais baratas do que trazer quadros originais. “(Esses custos) seriam como comparar um Boeing a um velocípede”, afirma Dantas. Isso porque transportar e fazer os seguros das telas nas mostras tradicionais costuma ser caríssimo. As imersivas nem sempre são baratas: a de Monet teve um investimento de 20 milhões de reais. Mas quase todo o gasto teve a ver com a produção e a parte tecnológica, como projetores e softwares. As imagens em si, 285 “quadros” do pintor que poderão ser usados pelos produtores durante os próximos três anos, custaram apenas 10 000 dólares, cerca de 50 000 reais. Ocorre que o artista morreu há mais de setenta anos e os direitos autorais sobre as obras já expiraram. O pagamento foi feito apenas à agência que tinha captado os quadros em altíssima resolução. As imersivas têm, ainda, outros trunfos. Elas reúnem um número de “obras” impossível para as mostras tradicionais — a de Van Gogh tinha mais de 300 “pinturas”. Além disso, podem abordar apenas grandes nomes das artes (como as programadas para 2023), certeza de bom público.

    Infográfico que explica a tecnologia por trás das exposições imersivas
    A tecnologia por trás das exposições imersivas (Arte/Veja SP)

     

    centro de controle expo monet
    Um dos computadores na sala de controle: mostra sobre Monet (Wanezza Soares/Veja SP)

    Quando envolvem artistas mais contemporâneos, elas são compradas como um “pacote” junto aos proprietários das obras, normalmente por intermédio de empresas especializadas. É o caso de Frida Kahlo: A Vida de Um Ícone, que chega à cidade em fevereiro. “A gente adquire a atração ‘completa’, com todos os recursos e direitos necessários”, diz Rafael Reisman, CEO da Blast Entertainment, que organiza a exposição. Detalhe: as roupas da artista que fazem parte da exibição (também réplicas…) foram costuradas no Brasil, seguindo modelos usados no exterior. Já a mostra sobre Michelangelo envolveu negociações com o Vaticano — não por conta das obras em si, mas porque a montagem tem itens como a chave da Capela Sistina (mais uma réplica…).

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    Nos bastidores, as novas exposições se tornaram também uma corrida tecnológica. Se antes eram as correntes artísticas que evoluíam para se superar, agora os curadores procuram novos equipamentos e recursos digitais para as mostras seguirem atrativas ao público. A exposição sobre Van Gogh em 2022, por exemplo, usava imagens com resolução 4K. Uma nova apresentação sobre o artista, feita pela mesma empresa (a Blast) e em turnê por cidades como Rio de Janeiro e Recife, passou a usar a tecnologia 8K (é possível que venha a São Paulo nos próximos meses). “É como os celulares: a cada ano aparece um novo e melhor”, compara o americano Jeffrey Neale, sócio da Dueto Produções, responsável por Imagine Picasso, que estreia na capital paulista em março.

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    Na onda da popularização da arte, as exposições imersivas ocupam espaços menos tradicionais que os museus. A de Picasso, por exemplo, será no MorumbiShopping, que também abrigou Beyond Van Gogh. Outras ocorrem no Eldorado (Frida) e no Parque Villa-Lobos (Monet). Os ingressos, contudo, não são lá tão populares — o de Imagine Picasso sairá por 120 reais de sexta a domingo. É parte, claro, do sucesso do formato.

    O termo “imersivas” tem sido usado para definir as exposições baseadas em video mapping, um recurso que permite projetar imagens em superfícies irregulares. Para os mais criteriosos, porém, exposições do tipo existem desde a década de 90. É quando os museus passaram a usar, de maneira mais corriqueira, cenografias para ampliar a experiência do público. “Desde aquela época, eles empregam diferentes recursos para direcionar o olhar dos visitantes. Já eram mostras ‘imersivas’”, diz Bertani. “‘Imersivo’ não significa necessariamente ‘digital’”, completa Dantas. (É claro que, do ponto de vista mercadológico, é bastante conveniente fazer um termo “pegar”, como aconteceu com “imersivas”, para definir um novo produto.) Antes disso, em 1971, o próprio Picasso autorizou que quadros dele fossem projetados em um mercado de Paris — para desespero de puristas, que argumentam que as imersivas deturpam a criação original.

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    Pelo perfil voltado ao entretenimento, as imersivas normalmente atraem um público distinto do encontrado nos museus. “São totalmente diferentes. É um pessoal mais movido pela inovação (na forma de mostrar as obras), que dificilmente estaria em uma exposição ‘normal’”, diz Marcos Mendonça, diretor do MIS. O que não significa, de forma alguma, um problema — até porque uma coisa pode levar à outra. “Talvez as pessoas que saem de uma exposição imersiva do Van Gogh, por exemplo, sintam vontade de ver um quadro de verdade do pintor no Masp”, afirma o especialista. “Cultura sempre gera cultura”, completa Felipe Pinheiro, produtor da mostra sobre Michelangelo. “Nosso país é carente de cultura. Quanto mais, melhor”, diz.

    Goste-se ou não, a arte — e as maneiras de mostrá-la — segue em evolução há séculos. Se antes os quadros apelavam exclusivamente aos olhos, as imersivas incluíram sentidos como o tato e a audição na experiência. “Em breve, talvez os museus possam apelar ao olfato e ao paladar”, diz Bertani. “Quem sabe, um dia, talvez a gente use óculos de realidade virtual e nem saia de casa para ir a uma mostra”, conclui.

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    Vaticano em SP

    felipe pinheiro exposição michelangelo
    Pinheiro, da mostra sobre Michelangelo: réplica da Sistina (Alexandre Battibugli/Veja SP)

    Com Michelangelo: o Mestre da Capela Sistina, o MIS Experience quer fazer o público se sentir dentro da famosa igreja do Vaticano. Além de reproduzir os afrescos em altíssima resolução, o museu construiu uma réplica com 85% do tamanho do templo original. “A diferença é quase imperceptível”, diz Felipe Pinheiro, sócio da Boldly Go, produtora que assina a exposição junto da americana SEE Entertainment. Os equipamentos vieram da Holanda, mas a tecnologia das projeções, como os softwares que recriam as pinturas, foi criada no Brasil. “As imagens passaram por Estados Unidos, Austrália e Alemanha, mas eram impressões e não projeções como aqui”, diz Pinheiro. A capela é uma das catorze salas da mostra, que tem réplicas de esculturas como a Pietà Rondanini (última obra inacabada do artista) e David. Como quase todas as imersivas, porém, não tem originais. Haverá ainda uma réplica da chave da Capela vinda do Vaticano e reproduções do ateliê e de cartas do artista — uma delas ao Papa Júlio II, que encomendou os afrescos. “O público não quer só projeção, quer se sentir naquele lugar”, ele conclui.

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    MIS Experience. Rua Cenno Sbrighi, 250, Água Branca, ☎ 3613-2044. ♿️ Ter. a sex., 10h/18h. Sáb. e feriados, 10h/19h. Dom., 10h/18h. R$ 30 e R$ 50 (grátis às terças) Até 30/4. mis-sp.org.br.

    Os dramas de Frida

    Grande salão com projeções de flores, itens da cultura mexicana e o rosto de Frida Kahlo
    A mostra no exterior: versão brasileira terá quatro salas a mais (Divulgação/Divulgação)

    Frida Kahlo: A Vida de Um Ícone chega ao Shopping Eldorado em 1º de fevereiro após estrear em Salvador no fim do ano passado, onde acabou prorrogada devido ao sucesso — atraiu mais de 80 000 visitantes. “A versão brasileira tem quatro salas a mais do que a vista nos Estados Unidos e na Europa”, diz Rafael Reisman, CEO da produtora Blast Entertainment. “Terá, por exemplo, réplicas de roupas da artista”, conta. A exibição da pintora mexicana vem acompanhada de A Arte de Banksy: sem Limites, sobre o artista de rua britânico. Elas ocupam espaços separados na mesma tenda do shopping, mas têm conceitos distintos e os ingressos são vendidos separadamente. A de Banksy não é considerada “imersiva”, porque tem só projeções pontuais e obras originais. As dez salas de Frida, distribuídas em 1 500 metros quadrados, vão relembrar momentos dramáticos da artista, como o acidente de bonde e o período em que ficou acamada. Tem ainda um altar “instagramável” com elementos da cultura mexicana. “Deve bater o público de Van Gogh (feita pela mesma produtora e vista por 480 000)”, aposta.

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    Shopping Eldorado, ☎ 2197-7800. ♿️ Seg. a sáb., 10h/22h. Dom., 11h/21h. R$ 90 a R$ 170. Até 30/4. shoppingeldorado.com.br.

    Tudo sobre Picasso

    Salão com projeções de pinturas de Pablo Picasso
    A exposição em Madri, na Espanha: “Setenta anos da vida do artista” (Laurence Labat/Divulgação)

    Em março, Imagine Picasso chega ao MorumbiShopping, após passar por Estados Unidos, Canadá, França e Espanha. A exposição, chancelada pela Picasso Administration, que detém os direitos do artista, reproduz mais de 200 obras. O espaço de 2 000 metros quadrados terá imagens de quadros como Guernica (1937) e Les Demoiselles d’Avignon (1907), além de quatro origamis gigantes em referência às dobraduras que Picasso fazia. “Em menos de uma hora, você vê setenta anos de produção do artista”, diz Jeffrey Neale, CEO da produtora Dueto.

    MorumbiShopping, ☎ 4003-4132. ♿️ Seg. a qui., 10h/22h. Sex. e sáb., 10h/23h. Dom. e feriados, 10h/20h. R$ 80 a R$ 200. Até 18/6. morumbishopping.com.br.

    Monet para os sentidos

    Leo Rea Lé, sócio da MIRA, de costas para o salão da exposição
    Leo Rea Lé: linguagem do coração (Wanezza Soares/Veja SP)

    Diferentemente das exposições que vêm ao país, Monet à Beira d’Água tem execução 100% brasileira. Quem toca a iniciativa é a MIRA (Museum of Immersive Roaming Arts), startup especializada em unir arte e tecnologia. Com 4 000 metros quadrados, a mostra parte da relação do impressionista com a água para criar um show sensorial com animações e projeções de 285 pinturas do artista. Uma das salas mostra as jovens da tela A Canoa sobre o Epte (1890), do acervo do Masp, sorrirem e movimentarem a embarcação pelo rio. “É uma linguagem que fala ao coração”, diz Leo Rea Lé, sócio da MIRA. A organização sofreu reclamações por adiar duas vezes a inauguração. “Tivemos um problema no aterramento (de energia) da tenda”, afirma o realizador.

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    Parque Villa-Lobos. Avenida Queirós Filho, 1365, Alto de Pinheiros, s/nº. ♿️ Ter. a dom., 10h/21h15. R$ 80 a R$ 160. Até 26/3. monetbeiradagua.com.br.

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    Publicado em VEJA São Paulo de 1 de fevereiro de 2023, edição nº 2826

     

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