“Os jovens de hoje são mais caretas do que os dos anos 80. Nós saíamos entre amigos, fazíamos alguma programação cultural, um teatro ou uma exposição, depois íamos para a casa de alguém tomar uma batidinha de frutas e todo mundo se pegava. Éramos profissionais de respeito, fazíamos um trabalho de alta qualidade, mas existia essa liberdade e vontade de experimentar coisas novas. Claro, nem sempre era harmonioso. Às vezes era tudo paz e amor e a transa era legal, mas também dava confusão, rolava ciúme. Dependendo da droga que estávamos usando, ficava mais confuso ainda.
Eu conheci o Léo, 68, em um restaurante em Moema, em 1980, com um grupo desses amigos. Ele estava acompanhado, eu também. Bati o olho nele e pensei ‘quero para mim’. Trocamos olhares, roçamos as perninhas por debaixo da mesa. na hora de fumar, ele acariciou minha mão ao me emprestar o isqueiro. Era um jogo de sedução. Dei em cima dele por uma semana. sabia que Léo ia na casa de um amigo fotógrafo, então aparecia por lá.
Ele conseguiu um trabalho no nordeste e pensei que fosse me convidar pra ir com ele. Fiquei chupando o dedo, não me convidou. Quando voltou, ele me levou na Famiglia Mancini Trattoria. Nos pegamos na porta do restaurante e Léo me levou para a casa dele. No dia seguinte, deixei um bilhete no espelho com batom vermelho: ‘quero mais’, e fui embora antes que acordasse.
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Enviei uma orquídea branca com a mesma mensagem para a agência de publicidade em que ele trabalhava. A flor chegou antes dele. A equipe inteira leu o cartão e fez chacota por meses. Estávamos comprometidos, mas todo mundo tinha um casinho nessa época. Éramos livres, leves e soltos.
A partir daí, não desgrudamos mais. Completamente apaixonados, de quatro um pelo outro. Resolvemos fazer uma lua de mel em Nova York em 1981. Demos esse título, mas nunca nos casamos no papel porque tivemos essa experiência e ela já não representava mais nada para a gente.
Enquanto isso, nossos parceiros não queriam se separar de jeito nenhum. Achavam uma loucura, que não ia durar. Cada um de nós tinha dois filhos. Os meus ficaram com o pai, o jornalista Maurício Kubrusly, enquanto que os do Léo ficaram com a mãe. Meu segundo marido — com quem estava — era maravilhoso, mas o Léo era o homem da minha vida. Para se afastar daquela confusão, fomos morar por quatro meses em São Francisco, nos Estados Unidos. Eu dava aula de português na escola em que o Léo aprendia inglês. Meu ex foi encontrar a gente e levou meus filhos.
Compramos um carro e paramos em várias cidades até chegar à Disney, todos juntos.
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Léo recebeu uma oferta de trabalho em Salvador e nos mudamos de novo. Ficamos por dois anos lá e voltamos a São Paulo. A Bahia não fazia a nossa cabeça. Léo estava acostumado a acordar cedo e com o ritmo de trabalho intenso. Lá, a equipe chegava após as 11h30 na agência, depois de um mergulho na praia. Éramos ansiosos, fumávamos juntos três maços de cigarro por dia (desse vício nós nos livramos) e maconha parecia ser liberado, até no trabalho.
Quando Maurício lançou a revista sobre música Somtrês (hoje extinta), ele chamou o Léo para ser diretor de arte da publicação. Kubrusly é casado com a Beatriz Goulart e sempre que eles passam na frente da casa, a gente se dá tchau. É tão legal o que a gente manteve. Você pode se separar das pessoas e ter uma história bonita com elas pelo resto da vida.
De vinte anos para cá, viramos um casal caretinha. Na pandemia, agora somos eu, Léo e nossa cachorrinha. Dividimos um vinho branco e assistimos à TV. Nosso segredo de relacionamento é não bater boca e tratar o outro com ternura, sempre.”
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Publicado em VEJA São Paulo de 12 de maio de 2021, edição nº 2737