Em 2011 fiz um intercâmbio na Unesp, que tinha parceria com a minha universidade em Wuhan, na China. Na época, cursava um mestrado de ensino de chinês para estrangeiros e estudei a língua portuguesa por pouco tempo antes da viagem. Era a minha primeira vez fora do país e, em São Paulo, dava aulas para outros estudantes universitários. Fiquei próxima dos meus alunos, que me ajudavam no português, levavam-me para os pontos turísticos da capital, mostravam-me as comidas brasileiras (no início, só comia em redes de fast-food porque conseguia fazer os pedidos apontando para as fotos dos lanches) e me ensinavam sobre a cultura. Entre eles, estava Lucas, 34.
Na primeira vez que eu o vi entrando na sala de aula, achei que tinha 17 anos, em vez de 25. ‘Tão jovem e já está aprendendo chinês!’, pensei. Ele contou que trabalhava na Globo e, como sempre chegava de bicicleta e suado, deduzi que era uma empresa de entrega de comida.
Nós temos versões diferentes sobre como nos apaixonamos. Lucas afirma que fui eu que gostei dele primeiro, porque achava que eu dava um jeitinho de fazer as tarefas em dupla com ele quando a turma estava em número ímpar. Eu não me lembro disso! Nós conversávamos na biblioteca antes das aulas e nos aproximamos.
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Para mim, foi ele que tomou a iniciativa quando me adicionou no QQ, rede social chinesa parecida com o antigo MSN, e me chamou para assistir a um filme no Sesc Pompeia e ir a algum bar. Conversamos por meio de desenhos no guardanapo quando havia falha na comunicação.
Mal fazia dois meses que estava no Brasil, fui roubada. Na rua, escrevia uma mensagem para encontrar o Lucas — era quase Páscoa e ia presenteá-lo com um ovo de chocolate — e um homem bateu nas minhas costas. Não sabia o que ele queria, mas entendi a palavra ‘celular’. Pensei que estivesse pedindo meu aparelho emprestado, então entreguei. Logo depois, mostrou uma arma e pediu minha carteira, daí entendi que era um assalto. Foi assustador! Eu nunca tinha visto um revólver na vida. Em Wuhan, furtos são comuns em aglomerações, mas roubos são raros por causa do uso restrito das armas de fogo. Não queria voltar para casa sozinha. O escritório onde Lucas trabalhava ficava próximo, mas como eu chegaria lá? Sem saber o que fazer, segurei no braço do assaltante e pedi informação. Acho que ele se assustou com a minha atitude, desprendeu-se da minha mão e foi embora. Outra pessoa que passava me ajudou a encontrar o endereço.
Era por volta de 20 horas e Lucas estava saindo do elevador para ir embora. Fui ao seu encontro e comecei a chorar. Fiz um gesto de arma com a mão e ele entendeu o que tinha acontecido. Consolou-me e, para me sentir melhor, me levou para andar na Rua Augusta e me mostrou a vista do terraço do Skye, no topo do Hotel Unique. Eu me senti especial.
Nosso primeiro beijo foi depois de outro encontro, quando ele me deixou em casa. Inventou que precisava usar o banheiro e acabou ficando. Fiz um chá e comecei a ler um livro em português. Tive uma dúvida e, ao me aproximar para fazer a pergunta, ele me beijou. Na cultura chinesa, beijar significa estar em um relacionamento. Com o tempo, entendi como se começa um namoro no Brasil, mas Lucas também levava em consideração meus costumes.
Ele foi um dos principais motivos para renovar meu intercâmbio. Depois, conseguiu uma bolsa para estudar chinês em Wuhan, onde moramos juntos. Na volta a São Paulo, Lucas teve a ideia de criarmos no YouTube o canal Pula Muralha, sobre língua e cultura chinesas. Ele me pediu em casamento e contamos lá sobre a cerimônia na China.
A celebração é mais importante do que a certidão em si: Lucas teve de se esforçar para entrar no meu quarto enquanto amigos e parentes empurravam a porta. Eu o esperava com um lenço vermelho sobre a cabeça. Ele me carregou nas costas por cinco lances de escada até um suporte carregado por quatro pessoas, que me levaram à casa do meu futuro marido (um quarto de hotel fez esse papel). Tirei o véu apenas quando cheguei ao destino. Nós preparamos um chá para os sogros — começamos a chamá-los de pai e mãe a partir desse momento — e eles nos presenteiam com pacotes de moedas, desejando vida nova. A festa termina em um grande banquete. A cor vermelha das roupas tradicionais representa felicidade.
Hoje moramos em São Paulo, mas temos planos de nos mudar para a China depois da pandemia e ter nosso primeiro filho.
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Publicado em VEJA São Paulo de 14 de abril de 2021, edição nº 2733