O rosto de Jair Bolsonaro no corpo de Carminha, personagem de Adriana Esteves em Avenida Brasil, circulou com sucesso pelas redes sociais na icônica cena em que ela grita “Desgraçado! Inferno!”. A brincadeira fez alusão ao episódio em que o apresentador William Bonner entrou em um plantão do Jornal Nacional no meio da novela Fina Estampa, das 21h, para atualizar o número de mortos e de contaminados pelo novo coronavírus depois que o Ministério da Saúde decidiu divulgar essas informações somente após o horário de término do telejornal. Essa é uma das montagens com o presidente e outros políticos no lugar de personalidades, que vão de Dercy Gonçalves a Lady Gaga. E o criador é Bruno Sartori, 31, referência no Brasil da técnica chamada deepfake.
A tecnologia usa inteligência artificial para criar vídeos que reproduzem não só a aparência, mas também as expressões e a voz. É uma espécie de “Photoshop” para vídeos, em que uma coleção de milhares de áudios e de fotos da pessoa é vinculada a um sistema semelhante a um programa de computador, que aprende a identificar padrões e passa a reproduzi-los em novas imagens. O processo se chama “aprendizado de máquina”, porque o computador entende sozinho as expressões do rosto em qualquer ambiente.
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O sistema é uma biblioteca de código aberto, ou seja, qualquer pessoa que saiba desenvolver códigos pode baixar e usar a tecnologia. Sartori trabalha com edição de vídeos desde os 15 anos e procurava tutoriais na internet sobre troca de rostos quando achou a biblioteca na plataforma americana de fóruns Reddit, em 2017. O usuário que divulgava a tecnologia utilizava o codinome “deepfake” e colocou rostos de famosas no lugar de atrizes em filmes pornográficos. “Vi potencial para usar no meu trabalho”, conta.
Apesar de a tecnologia ser acessível, não é possível fazer a edição em qualquer tipo de computador. “Tentaram reproduzir o que faço em computadores domésticos e, quando perceberam a dificuldade, desistiram”, diz o deepfaker. Ele demora cerca de cinco dias para criar uma montagem usando uma placa de vídeo poderosa, que custa, em média, 11.000 reais. Sartori, que nasceu em Minas Gerais, mudou-se para São Paulo para trabalhar em uma produtora de televisão, mas teve o contrato suspenso por causa da pandemia do novo coronavírus. Para que os vídeos com as montagens continuem a ser produzidos, ele criou uma campanha contínua na plataforma de financiamento coletivo apoie.se e está arrecadando cerca de 5.000 reais por mês. Sartori conseguiu transformar a técnica em uma forma de entretenimento, com vídeos de humor e crítica social e política, mas afirma que o surgimento de novas tecnologias traz também novas consequências.
“Tenho consciência que, se utilizada de forma indevida ou ilícita, pode enganar muita gente se a população não for educada em relação à existência dessa ferramenta. Como o presidente da República nunca usaria uma peruca loira ou imitaria uma atriz de novela, os vídeos são criados em contextos absurdos para que o público se familiarize com a técnica”, diz. Como a plataforma é aberta, fotos e áudios são sempre adicionados à biblioteca, e o sistema se atualiza e a tecnologia é aperfeiçoada.
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 8 de julho de 2020, edição nº 2694.
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