A arte é um dos meios que unem os homens. A máxima de Liev Tolstói (1828-1910) define ao pé da letra um dos maiores elos entre Vera, 72, e Miguel Chaia, 75. Ambos os paulistanos são professores de política na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), mas muito além da profissão e do local de trabalho em comum, uma paixão que os conecta é a arte, mais especificamente a contemporânea.
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Na instituição, eles fundaram o Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política em 1997, que coordenam até hoje. Atualmente, têm uma coleção particular que gira em torno de 900 obras, com artistas como Tunga, Carmela Gross, Leda Catunda e José Resende. A partir de sábado (14) e até 11 de março, 46 delas estarão expostas na Arte 132 Galeria, na mostra Tridimensional: entre o Sagrado e o Estético (segunda a sexta, das 14h às 19h e sábado das 11h às 17h).
Essa história de amor e arte começou no ano de 1970, quando estavam no segundo ano de ciências sociais na PUC-SP e começaram a namorar. Desde o início, um dos interesses mútuos eram as artes plásticas. Os pais de Vera foram sócios da antiga Cinemateca, no Centro, e seu irmão já era artista plástico. Miguel, por sua vez, havia cursado a Escola Superior de Cinema São Luís antes de entrar na faculdade.
Imersos no meio artístico, começaram a comprar gravuras em 1972, mas a primeira aquisição de fato veio no mesmo ano do casamento, em 1975 — uma obra de Tomie Ohtake. Inicialmente, não havia o projeto de construir um acervo. “Nós descobrimos que tínhamos uma coleção por acaso”, conta Miguel, que já foi vice-presidente do Masp e diretor da Bienal de São Paulo. “Em uma ocasião, entramos em contato com Luiz Paulo Baravelli, da Escola Brasil, para adquirir uma de suas obras. Ele nos perguntou quantas peças tínhamos, na época eram por volta de quinze. Foi então que ele falou: ‘Quem tem mais de dez é colecionador’.”
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Desde o começo, um dos critérios era o de comprar obras produzidas no tempo presente. “Nós somos professores universitários, nossa coleção foi feita com o nosso salário. Comprávamos o que estava dentro da nossa possibilidade”, afirma Miguel. Ele recorda a aquisição da obra Tacape (década de 80), de Tunga: “Na época, ele não era muito famoso. A gente foi à Galeria Millan e lá estava aquela obra dele parada havia um tempão, ninguém olhava. Demonstramos interesse e ficamos com ela”.
Em um primeiro momento, o foco foram as pinturas, mas com o tempo se expandiu para esculturas, fotografias e vídeos. “A coleção foi ganhando vida e se desenhando com uma lógica própria”, diz ele. Esse processo permitiu conceber a mostra na Arte 132 Galeria. “Temos 200 peças tridimensionais. Quando nos convidaram para criar a exposição no local, que tem um jardim muito bonito, com esculturas que não podem ser removidas, pensamos em compor o espaço com outras obras do tipo. É uma proposta site specific, nas particularidades da galeria.”
O tema do sagrado e estético surgiu em uma conversa entre Miguel e os outros dois curadores, Laura Rago e Gustavo Herz. “Convidei dois ex-alunos e notamos que no nosso acervo tinha uma quantidade inesperada de obras sobre o religioso, o venerável, a alquimia (mistura de ciência, religião e arte)”, conta.
O professor de sociologia ressalta uma coincidência temporal: “Percebemos que o sagrado conduz à violência, o que ganha mais significado hoje”. Dois exemplos dessa análise são a obra sem título de Nico Cais, que apresenta duas marretas robustas equilibrando duas taças de cristal, e Encalço (2014), de André Komatsu, que mostra vidros quebrados dentro de uma caixa de madeira. “Esse recorte foi muito intencional e coincidiu com os acontecimentos do último domingo (8) em Brasília. O sagrado cria fanatismos, religiosos e políticos”, comenta Miguel.
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Para o futuro, o casal quer a valorização da arte como patrimônio público e cultural. Além de fazer exposições de fotografias e vídeos, eles planejam realizar mais doações, principalmente a museus universitários. Eles já doaram obras para o Masp e o Museu de Arte Contemporânea, além de emprestar anualmente cerca de trinta peças para outras exposições. “Arte não é capital, não é investimento”, afirma Vera. “Seria legal se essa mostra pudesse estar em espaço público, que é onde a arte deve estar.”
Publicado em VEJA São Paulo de 18 de janeiro de 2023, edição nº 2824