Por volta das 22 horas da última segunda (24) apagaram-se as luzes e encerrou- se o expediente da Biblioteca Mário de Andrade, no centro. O ato de baixar as portas virara cena rara desde outubro de 2015, quando o prédio de estilo art déco passou a operar 24 horas por dia em esquema de teste.
Os frequentadores da madrugada podiam aproveitar o wi-fi gratuito e as mesas de estudo com vista para a Rua da Consolação. A iniciativa, entretanto, só engrenou mesmo em junho do ano passado. À época, a entidade implantou um sistema eletrônico e liberou o empréstimo noturno dos 53 000 livros disponíveis para locação, além da consulta de jornais e revistas. Instituída pela nova gestão municipal, a mudança de horário de funcionamento (até as 22 horas durante a semana e as 20 horas nos fins de semana) desagradou a uma parte da população.
Houve reclamações, manifestações na porta e a criação de um abaixo-assinado que pedia a reversão da ação, com 520 assinaturas até quinta-feira (27). “Tenho horários bagunçados e gostava de trabalhar à noite”, lamenta o professor Tony Monti, morador da região. “Costumava frequentar a Mário de Andrade duas vezes por mês nesse período.”
O projeto consistia em algo inédito no país. As atividades notívagas da segunda maior biblioteca brasileira — atrás apenas da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro — tinham só uma “concorrente”, quase fora do páreo nesse caso. A Universidade Federal de Minas Gerais oferece pesquisa de títulos de ciências econômicas a seus alunos e associados 24 horas por dia.
Responsável pelo endereço paulistano, a Secretaria Municipal de Cultura estima que o novo horário trará aos seus cofres uma economia de 800 000 reais neste ano, quase 10% do orçamento de 9 milhões anuais do local. “Achávamos a ideia muito boa, mas pouca gente aproveitava”, afirma o secretário André Sturm.
De acordo com um levantamento da prefeitura, 1 400 obras foram emprestadas entre 22 horas e 8 da manhã no segundo semestre de 2016. O valor corresponde a 3% do total dos aluguéis. Diretor da instituição e antigo dono da extinta editora Cosac Naify, Charles Cosac escalou um funcionário para acompanhar o fluxo noturno em março.
O número de visitantes somou 409 frequentadores em uma semana, 5,8% da média total, de 7 000 pessoas. Por outro lado, o público geral cresceu desde a nova política: saltou de 39 000 visitantes no primeiro trimestre do ano passado para 91 000 no mesmo período deste ano — o órgão atribui o aumento também à automatização do sistema de contagem de pessoas.
Sturm explica que o dinheiro poupado será direcionado a melhorias no edifício e à renovação do acervo, que não recebe novos títulos desde 2015. O projeto de abertura durante as madrugadas foi inspirado em iniciativas estrangeiras, a exemplo da Universidade de Edimburgo, na Escócia, e da Universidade Nacional da Colômbia, em períodos determinados. “Eu recebia cartas e e-mails pedindo o funcionamento sem pausas”, lembra Luiz Armando Bagolin, ex-diretor da Mário de Andrade e responsável pela mudança. “A população mostrava interesse.”
Os novos horários faziam parte de uma renovação do espaço, que vem ocorrendo desde 2011, quando o prédio quase centenário foi reinaugurado após uma megarreforma estimada em 16,3 milhões de reais. Eventos variados também ajudam a trazer público. Foram 290 atrações no ano passado. Algumas iam até tarde da noite, caso de sessões de cinema e da feira de arte Miolo(s), que reuniu 2 000 participantes em novembro com funcionamento até meia-noite.
A ideia é que elas continuem, mas em horários alternativos. A Secretaria de Cultura pretende reformular a programação, porém só em meados de junho, graças a um congelamento do orçamento, que atinge outras divisões da Pasta.
A Associação de Moradores e Amigos do Bairro da Consolação e Adjacências também torceu o nariz para a novidade. “Nós nos sentíamos mais seguros com o espaço aberto”, afirma a presidente do grupo, Marta Porta.
A atividade até altas horas ajudava na movimentação do centro, área que, apesar de iniciativas pontuais, ainda sofre com a degradação. “Recebíamos alguns clientes que iam estudar à noite por lá”, conta Bruno Fischetti, chef de um restaurante vizinho, o Ramona.
Presidente da Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro, Helena Severo acredita que uma programação bem pensada no lugar deve trazer impactos para a região. “Em locais como o centro de São Paulo, pontos culturais trabalhando em conjunto podem revitalizar o espaço”, analisa.