“Os personagens são apresentados aos poucos ao público para criar uma identificação com ele, e depois surpreendê-lo. Strindberg é praticamente um Big Brother sueco”, brinca Alessandra Negrini que encarna um dos personagens mais célebres do dramaturgo em A Propósito de Senhorita Júlia no Centro Cultural Banco do Brasil a partir deste sábado (20).
A montagem, assinada por Walter Lima Jr., substitui a Europa do fim do século XIX pelo Brasil do começo do século XXI — toda a ação se passa em 27 de outubro de 2002, quando Luís Inácio Lula da Silva ganhou sua primeira eleição. “O texto fala das pequenas relações de poder entre homem e mulher, rico e pobre, branco e negro”, afirma Eucir de Souza que interpreta Moacir. Ele é motorista do pai de Júlia, um deputado corrupto. Para completar a aclimatação do texto aos dias atuais, Dani Ornellas encarna Cristiane, uma cozinheira que, apesar de evangélica, não deixa de beber, fumar e dormir com Moacir, com quem tem uma atribulada relação.
O terceiro vértice do triângulo amoroso, e espécie de contraponto a esses personagens, é Júlia. “Ela é rígida, autoritária. Quase masculina. Não foi criada para amar, mas isso muda quando conhece Moacir”, explica Alessandra, que há quase dez anos atrás encarou outro difícil texto do dramaturgo sueco, Os Credores. “É engraçado fazer pela segunda vez. A gente pensa que é como ter um filho: vai ser mais fácil pela segunda vez. Ledo engano. Eu me vi mergulhando nas mesmas questões que enfrentei em Os Credores“, explica a atriz que faz questão de enfatizar o caráter popular da montagem: “Strindberg é profundo e popular. Assistir a essa peça é como ver uma partida de futebol”.
Além de A Propósito de Senhorita Júlia, Alessandra se desdobra para a divulgação de O Abismo Prateado, nova produção de Karim Aïnouz, inspirada na composição Olhos nos Olhos, de Chico Buarque. No longa, com estreia prometida para o próximo dia 26, ela interpreta Violeta, que certo dia recebe uma mensagem do marido, Djalma (Otto Jr.) – ele diz que está deixando-a e pede para ela não o siga. “Violeta e Júlia são muito diferentes. A primeira é só coração; a segunda é vísceras. Em comum, talvez, elas tenham o abismo. As duas personagens mergulham num abismo”, filosofa.