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Chefs pâtissiers franceses festejam três décadas e meia no Brasil

À frente de novas pâtisseries no rio de Janeiro, Dominique Guerin e Philippe Brye comemoram com receitas inéditas e contribuições marcantes para a confeitaria nacional

Por Alice Granato
Atualizado em 20 jan 2022, 09h53 - Publicado em 19 jun 2014, 18h41
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  • O primeiro pedaço instiga. É um sabor conhecido, mas não se identifca exatamente qual. O gosto permanece na boca e, ao final, já se sabe: trata-se de uma rabanada. A essência desse doce de família — french toast para os americanos, pain perdu para os gauleses — está ali. Mas os ingredientes, o modo de preparo, a apresentação e a textura, tudo foi modifcado por um chef pâtissier francês. Dominique Guerin, confeiteiro radicado no Rio de Janeiro, acaba de criar uma rabanada de brioche com chocolate e raspas de laranja. O segredo é que ele molha o brioche (e não o pão francês do dia anterior) no creme brûlé e o assa no forno (em vez de fritá-lo no ovo), conferindo mais leveza ao doce.  

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    Foi assim, reinventando receitas clássicas, adaptando ingredientes tropicais à técnica francesa, reduzindo o açúcar e inovando padrões de apresentação, que o chef fez história na gastronomia brasileira. Suas contribuições para o que se tornou a confeitaria nacional têm importância ímpar, assim como as de seu colega rival, Philippe Brye. Ambos estão comemorando três décadas e meia à frente de fornos no Brasil. São hoje responsáveis pelas mais cobiçadas confeitarias francesas do Rio. Guerin tem três lojas: em Copacabana, no Leblon e no Jardim Botânico (as duas últimas abertas no fm do ano passado). Brye virou chef pâtissier executivo do grupo Troisgros e comanda a CT Pâtisserie, a cereja do bolo, aberta em dezembro. “Para mim, é como começar de novo”, diz, depois de ter fechado a Traiteurs de France, que administrou por 25 anos em Copacabana.  

    Entre suas mais recentes criações está o macaron de limão com chocolate branco. A combinação traz refrescância ao confeito, e numa só mordida você vai a Paris e volta. Brye é especialista em macaron e aliou sua técnica ao perfume do limão brasileiro e do cacau nacional, pelo qual está apaixonado.“O chocolate foi o último ingrediente a evoluir por aqui, mas agora está muito bom”, garante. Do forno também estão saindo éclairs de chocolate da Bahia, com 63% de cacau. 

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    Guerin e Brye vêm de cidades bem pequenas da Normandia, no noroeste da França. Estiveram sempre de lados opostos. Guerin é discípulo de Gaston Lenôtre, morto em 2009. Brye aprendeu o que sabe na Fauchon. Desembarcaram na Praia de Copacabana, nos anos 80, trazidos pelos papas da nouvelle cuisine, respectivamente Lenôtre e Paul Bocuse. A missão: produzir doces espetaculares.  

    Cada um fcou numa ponta da Avenida Atlântica. Guerin assumiu o antigo Rio Palace, atual Softel Rio de Janeiro, e Brye, o Le Méridien, hoje Windsor Atlântica. Ao chegarem, ficaram chocados com a falta de ingredientes e técnicas de preparo, um cenário completamente diferente daquele a que estavam acostumados. Guerin entrou em pânico ao perceber que não havia aros de inox para fazer suas tortas, ou tartelettes. Os dois caíram em desespero com a falta de padrão. “Encomendei uma coleção deles”, diz. “Era inconcebível que as tartelettes ficassem de tamanhos desiguais.” Guerin diz nunca ter imaginado vender tantas tartelettes na vida. Ele tem 3 000 aros nas suas lojas e vende uma média de 600 tortinhas por dia em cada uma delas. Diverte-se de ter infuenciado, inclusive, as padarias na redondeza. “Mesmo os lugares mais simples seguem um formato-padrão.”

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    A difculdade original aguçou a criação. Eles tiveram de adaptar-se à matéria-prima local e aproveitá-la da melhor forma. Brye se recorda de um dos sócios da Fauchon ter voltado de viagem estarrecido com a descoberta do suco de maracujá. “O que era raridade na França era abundante no Brasil, mas ninguém usava”, afirma. É dele a receita original da torta de maracujá com as sementes da fruta à vista na superfície. “Hoje é popular”, diz. Guerin, em paralelo, desenvolvia sua tartelette de romeu e julieta.

    Para ambos, suas maiores contribuições para a evolução dos doces foram a maneira de fabricá-los e montá-los, a opção por uma maior leveza e a redução do açúcar, que, como herança portuguesa e dos antigos engenhos, é usado por aqui. “A doçaria brasileira é maravilhosa: adoro manjar de coco com ameixa, as cocadas, mas açúcar em demasia mascara o sabor da sobremesa”, declara Guerin. Brye aponta para o uso das musses e ganaches, com uma textura cremosa diferente da consistência pastosa das compotas nacionais. Se os doces dos chefs nos fazem embarcar numa Paris tropical, que ingrediente brasileiro mudou suas receitas? “A alegria”, diz Brye. “Se não estivéssemos aqui, seríamos muito mais tristes”, resume Guerin.

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