Katiele Fischer mora em Brasília e é mãe de Anny, uma menina que tem epilepsia refratária. A rara doença faz com que a garota conviva com convulsões diariamente. Sem sucesso de encontrar um medicamento no Brasil para dar um bem-estar à filha, Katiele descobriu que o canabidiol, um derivado da maconha, só vendido nos Estados Unidos, dava a Anny uma melhora significativa. Mas quem disse que seria fácil importar o remédio, proibido pela Anvisa?
Esta história foi parar nas páginas da revista SUPERINTERESSANTE, da Editora Abril, numa reportagem do jornalista Tarso Araújo. Em seguida, em parceria com o cineasta Raphael Erichsen, o repórter fez um curta-metragem para mostrar a balhalha de Katiele. Agora, o documentário em longa-metragem Ilegal chega às telas ampliando o foco central e colocando na berlinda um tema polêmico: a legalização da maconha, neste caso para fins medicinais.
Gostei muito do filme que, entre outras coisas, me fez tomar uma posição sobre o assunto. Tive, claro, vontade de conversar com Katiele, a mãe guerreira que fez, faz e fará de tudo para que Anny tenha melhores condições de vida. Leia abaixo a entrevista.
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O que mudou na sua vida após o nascimento de Anny? A maneira de ver e encarar as situações do dia a dia. Quando você cai de paraquedas no mundo de crianças especiais, seus valores mudam. A Anny nos ensinou a dar valor a pequenas coisas.
Quais foram as primeiras reações ao saber da doença dela, sobretudo ao descobrir que nenhum remédio no Brasil fazia efeito? A primeira reação foi de surpresa e de não acreditar que aquilo estava acontecendo com a minha família. A gente nunca acha que essas coisas vão acontecer com a gente. Quando nada resolve, a sensação é de frustração e bate um desespero. Parece que a criança vai se esvaindo pelos dedos, que a estamos perdendo pouco a pouco. Isso afeta a todos e causa muito sofrimento para a toda família.
Como foi a reação dos familiares e amigos em relação à doença de Anny? A família se uniu para amenizar nosso sofrimento. Os amigos encararam com pesar, mas mandavam tudo o que viam e achavam para que algo pudesse melhorar a condição de Anny.
E nas ruas, sente algum tipo de preconceito? Há um olhar de curiosidade quando as pessoas veem uma criança especial nas ruas. Pode ser um olhar de maldade e crítica. Na verdade, é desconhecimento e vontade de saber o que a criança tem. A gente se depara com olhares que nos doem. No começo, ficávamos muito chateados porque achávamos que era falta de respeito. Depois, entendemos que é ignorância e, com o tempo, aprendendemos a lidar com isso.
Como era sua relação com a Cannabis sativa/maconha antes de saber que ela tinha um efeito positivo no bem-estar de sua filha? Não tinha contato nenhum. Sabia o que me falavam desde criança: que não era uma coisa boa e não deveria chegar perto. Depois que tivemos contato com o canabidiol, essa imagem negativa caiu por terra. O que não era positivo virou exatamente o contrário e se transformou em esperança. A gente deixou o “pré-conceito” de lado, fomos estudar sobre o assunto e ficamos impressionados com o potencial terapêutico da planta.
Qual foi a importância da reportagem da SUPERINTERESSANTE para conquistar o que você queria? Na verdade, o que nos ajudou mais foram as informações e os contatos que o jornalista da revista, Tarso Araújo, nos passou, incluindo os pesquisadores e os advogados que nos ajudaram. Mas a repercussão da matéria e do curta-metragem nos deu força porque gerou um movimento. Muitas outras famílias também puderam encontrar a mesma esperança.
Muita gente tem preconceito com relação à legalização da maconha, inclusive tachando de maconheiro quem participa da Marcha da Maconha. O que você teria a dizer a estas pessoas? Preconceito e extremismo são péssimos porque causa cegueira. As pessoas se fecham para sequer ouvir sobre o assunto, tanto a discussão sobre o uso medicinal como a do uso recreativo. Mas a minha prioridade é o uso medicinal.
O filme retrata muito bem a luta de vocês para que os políticos de Brasília se posicionem o mais rápido possível sobre a legalização. Houve algum progresso? Não houve muita mudança. O Cristovam Buarque disse que iria priorizar a regulamentação do uso medicinal nas audiências públicas que ele já vinha fazendo sobre maconha. Estamos na expectativa para saber quais as providências ele vai tomar.
Acha que o documentário pode ajudar a apressar algum resultado? Sim, e espero que o filme ajude dar mais visibilidade ao tema da maconha medicinal no país. A pressão já está dando resultado, como vimos no caso do Cremesp, que publicou uma resolução autorizando os médicos do Estado a prescrever o canabidiol. Ainda é muito restrito, mas já é um começo. Eles não autorizaram para adultos e outras síndromes, por exemplo.
Anny continua tomando o canabidiol? Sim. Ela teve uma melhora muito significativa e faz coisas que não fazia durante anos, como sorrir, sustentar o peso da cabeça, comer melhor. Voltou a fazer sons e a se virar na cama. Continua sendo uma criança comprometida, mas, comparando a situação dela agora com a de antes do canabidiol, a mudança é espantosa e animadora. Há seis meses, a gente nem pensava que isso poderia acontecer. O avanço foi um prêmio para nós.
E está mais fácil para conseguir o medicamento? Continua extremamente burocrático e caro. Melhorou o tempo de resposta da Anvisa, mas ainda dependemos da importação – e este processo é muito complicado. Somos obrigados a contratar um despachante, que, às vezes, custa um salário mínimo. Temos de ir até o aeroporto de Viracopos retirar o produto para não pagar 60% de imposto e outros 18% de ICMS em cima do valor da nota fiscal, que já não é barata. E ainda temos que pagar pelo armazenamento. E estou falando de medicamento, que, teoricamente, deveria ser isento de impostos.
Você tem ideia de quantas mães vivem a mesma situação que a sua? Pelas estatísticas, 700 mil pessoas no Brasil sofrem de epilepsia de difícil controle. Acredito que, se estas pessoas soubessem da possibilidade do canabidiol, elas topariam o tratamento imediatamente. Isso sem falar de pessoas que tem dor crônica, esclerose múltipla, que fazem quimioterapia… Isso dá uma ideia da importância de ter uma lei que facilite as pesquisas e o acesso a esta terapia. Só quem sente na pele, sabe como a legalização é urgente.
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