Vencer um estado de angústia já é difícil, mas, quando as mudanças necessárias para isso envolvem outra pessoa, o desafio se torna ainda maior. Muitos indivíduos deprimidos ou com síndromes associadas ao stress sabem como se mostra complicado deixar de consumir açúcar com o(a) namorado(a) dizendo o quanto você está gordo(a) ou como é difícil se mobilizar para procurar emprego com o parceiro o acusando de ser uma vagabundo ou um imprestável. Ou, ainda, o quanto é difícil estudar mais com os pais sempre dizendo que você não faz nada e só fica o dia inteiro vendo TV.
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Esse tipo de situação leva ao que eu chamo de simbiose neurótica (para os naturalistas ortodoxos ou, para os “psiquistas” ortodoxos, neurose simbiótica). Isso ocorre porque, diante da cobrança do outro, a pessoa sente um misto de sentimentos negativos, como raiva, mágoa e frustração, e não consegue se mobilizar para fazer mudanças, ainda que pequenas.
A inação faz com que o outro, por sua vez, o cobre ainda mais em relação às mudanças ou simplesmente faça desabafos acusatórios: “Eu não disse? Você não faz nada!”. Essa peleja vira um ciclo vicioso de raiva e aprofundamento da situação problemática, afastando cada vez mais a pessoa da superação do problema.
O indivíduo que está passando por aquela angústia poderia enfrentá-la mais facilmente se tivesse apoio de quem está por perto, mas isso nem sempre configura a realidade, até porque o outro também pode carregar suas próprias angústias (comportamentos de função inadequada ou neuroses). Assim, a solução para esses impasses depende principalmente daquele que está deprimido ou sob estresse.
Havia uma paciente que estava vivenciando um forte transtorno depressivo persistente (distimia), inclusive com comportamentos autolesivos e ideias suicidas. Aluna da maior universidade do país, ela praticamente não saía do quarto e se sentia um peso para a família. Apesar de todo o sofrimento, havia coisas que ela gostaria de fazer e que lhe trariam satisfação. Essas coisas ajudam no tratamento terapêutico porque é a partir delas que as mudanças começam a se estabelecer.
Uma das coisas que ela escreveu em sua lista era poder cozinhar sua própria comida, com ingredientes naturais e saudáveis. Acontece que, no primeiro dia em que ela foi para a cozinha, sua mãe, ao invés de destacar o quão bacana era vê-la cozinhando, preferiu repetir que ela não estava indo na academia e que precisava sair de casa e blá-blá-blá. No meio do discurso da mãe, ela simplesmente abandonou a cozinha e voltou a se trancar no quarto. Um desastre.
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Ainda assim ela tentou a cozinha uma segunda vez em outro dia. Talvez por ter refletido um pouco (talvez não), a mãe não a criticou e resolveu explicitar que achava bom ver a filha cozinhando. Ainda assim, fez isso de forma aversiva: falou sobre como ela comia mal e que até que enfim estava fazendo alguma coisa porque senão acabaria mofando trancada no quarto. Ouvir isso foi insuportável para minha paciente, que novamente se recolheu na solidão de sua cama. Por isso que, em alguns casos de terapia, se mostra importante a participação da família. Mas isso nem sempre é possível.
O caminho para quem está doente, então, consiste em adotar duas estratégias. A primeira é manter-se engajado nos objetivos estabelecidos apesar das ações de terceiros e a segunda é aprender a diferenciar os sentimentos dos comportamentos e começar as mudanças a partir dos comportamentos e não dos sentimentos, que são involuntários.
Vejamos o que aconteceu com aquela paciente. Ela passou a ir para a cozinha diariamente para preparar suas refeições. A mãe continuou fazendo críticas. Conforme combinamos no consultório, ela procurou ignorar a fala da mãe e a se concentrar no prazer que sentiria minutos depois ao degustar a comida preparada com as próprias mãos. Adicionalmente, e com muito esforço, procurou trazer assuntos diferentes para conversar com a mãe.
Isso foi se repetindo dia após dia e, conforme o tempo passava, a mãe era cada vez menos aversiva e ela sentia cada vez menos raiva e cada vez mais prazer até que, poucas semanas depois, a mãe perguntou se poderia comer com a filha. E foi nessa refeição que puderam conversar um pouco mais sobre ambas e sobre a depressão da filha.
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Essa pequena mudança de comportamento não foi a solução para a depressão mas abriu as portas para chegar nela. Minha paciente inaugurou um processo de reconciliação com seus sentimentos, aprendeu a enfrentar seus medos e descobriu o que lhe faltava. E o que faltava era exatamente o amor e a presença da mãe.
A mãe não é uma pessoa má. Na verdade, sentia-se culpada e impotente diante da angústia da filha mas acabava manifestando isso de maneira inadequada. Ambas se machucavam mutuamente até que a filha encontrou um caminho alternativo. E esse caminho foi exatamente o caminho do prazer, que só foi possível quando ela deixou de lado o peso da cobrança e da culpa e olhou simplesmente para o que lhe fazia bem. E toda a mudança começou com a preparação de uma simples salada com arroz integral.
Mangia que te fa bene!