Em Terapia

Por Arnaldo Cheixas Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Terapeuta analítico-comportamental e mestre em Neurociências e Comportamento pela USP, Cheixas propõe usar a psicologia na abordagem de temas relevantes sobre a vida na metrópole.
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“Perdi o sentido da vida durante uma depressão na pós-graduação”

"Mas dei a volta por cima com uma nova carreira"

Por VEJASP
Atualizado em 24 nov 2017, 15h36 - Publicado em 10 dez 2015, 14h49
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  • Muitos alunos de pós-graduação sricto sensu (mestrado e doutorado) enfrentam uma rotina de stress significativo determinado pelas múltiplas formas de pressão relativas ao seu desempenho. Esse stress resulta em diferentes formas de adoecimento, estando a depressão entre as mais comuns.

    + Um papo rápido sobre a depressão

    Hoje trazemos o depoimento da doutora em química Adriana Vieira, pós-doutoranda no Instituto de Química da USP (Universidade de São Paulo), que enfrentou um ciclo depressivo nos últimos tempos. Ela descreve as dificuldades pelas quais passou bem como sua experiência de enfrentamento durante seu adoecimento:

    Depressão: do laboratório ao crochê

    “De 31 anos completos da minha vida passei 26 dentro de uma academia escolar. Três anos de jardim de infância, quatro anos de fundamental, quatro anos de ginásio, três de ensino médio, quatro anos de graduação, dois anos de mestrado, três anos de doutorado, três anos de pós-doutorado. Tudo assim, ininterruptos. Sem nunca reprovar, sem nunca parar. Acho até graça quando as pessoas chegam perguntando quando eu vou começar a trabalhar. Gente, estudar para um pós-graduando stricto sensu é o trabalho!

    Na graduação, eu fiz as contas e decidi a idade na qual eu terminaria o doutorado. Terminei um ano antes. Não pense que sou uma obcecada por contas, não sou. Eu só gostava e era muito disciplinada. E tanta disciplina me fez sobrar um ano. E fazer o quê com aquele ano que não estava no programa? Um pós-doutorado, claro! Demorou muito para eu perceber que era uma perseguidora de cenouras. Para quem não conhece a parábola do perseguidor de cenouras, assista ao vídeo abaixo antes de continuar a ler:

    Se você assistiu ao vídeo do grande Clovis de Barros Filho que explica a parábola do perseguidor de cenouras talvez você será capaz de entender porque muitos dos pós-graduandos stricto sensu e docentes de universidades que trabalham com pós-graduação sofrem com depressão.

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    + Assista ao Periscope sobre depressão com Arnaldo Cheixas

    O que acontece é que nós não só temos que lidar com a pressão externa de fazer tudo perfeito como temos que lidar com as nossas próprias exigências, aquela busca pelo perfeccionismo que é imposta por nós mesmos. Temos que tirar as melhores notas, temos que passar por vários exames de qualificação, temos que ter nossos relatórios aprovados, nossos artigos aceitos, nossas bolsas aprovadas…. Além disso, precisamos ser aprovados pelos coleguinhas que ficam o tempo todo comparando os currículos, contando quem possui mais ou menos artigos ou quem publicou naquela revista com o fator de impacto maior ou quanto o nosso índice h cresceu nos últimos minutos (isso vale para os orientadores também).

    Fora isso, devemos conciliar toda essa pressão com o experimento que insiste em dar errado, com a reação química que insiste em não reagir, com as mudanças de parâmetros, condições e fatores e todas as inúmeras coisas que podem sair errado quando você tem que transformar em fatos comprovados aquela tese que inicialmente era apenas um projeto. No caso de pós doutorandos ainda precisamos lidar com o fato de termos chegado ao topo da pirâmide dos discentes, mas ainda estamos no limbo, à margem da carreira como docente. Os docentes também têm que lidar com a orientação de várias teses e dissertações ao mesmo tempo, dar aula e ainda rebolar para aprovar projetos e conseguir dinheiro para financiar as pesquisas.

    Enfim, nesse meio não há meio termo. Faz-se perfeito ou não se faz. Ainda, a maioria dos pós-graduandos precisa sair de sua cidade natal para os grandes centros que possuem mais recursos para a pesquisa, tendo que lidar muitas vezes com a adaptação à cidade nova, clima, comida, cultura, amigos… Tudo novo! Já vi gente que considera isso uma grande aventura, mas para muitos isso é uma grande tortura.

    Em algum momento de todo esse processo, a gente se pergunta qual a finalidade disso tudo e, afinal, pra que tanta cenoura. Não é incomum que tanta pressão aliada à falta de sentido em se fazer o que se faz traga desânimo. Eu demorei para entender que estava entrando num quadro de depressão. Aos poucos, o sentido de seguir em uma carreira a qual dediquei anos da minha vida simplesmente havia desaparecido.

    E não estou sozinha. Em 2012, pesquisadores publicaram na Nature um estudo sobre a depressão na pós-graduação. Nesse estudo, eles listaram alguns sintomas como: dificuldade de concentração, incapacidade de assistir a aulas ou fazer pesquisas, falta de motivação, aumento da irritabilidade, insônia ou sono não reparador, falta de apetite e energia e introspecção social.

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    Desses sintomas, eu tive todos mais o bruxismo e a dor de cabeça de todo dia às 17h. Eu apertava tanto os dentes que minha face, meu maxilar e minha cabeça doíam.  Mas o que mais me incomodava era a insônia. Eu não conseguia dormir e, quando conseguia, me sentia mais cansada ainda.

    No final do meu primeiro ano de pós-doc, minha mãe faleceu quatro meses depois de adoecer e um mês depois de descobrir que estava com um câncer terminal. O sofrimento e o desgaste que essa dor causou, aliada ao já desequilibrado estado emocional causado pelo lado profissional, me levaram ao fundo do poço. Não preciso dizer que, se já estava difícil achar um sentido profissional, o sentido da minha vida se evaporou completamente. Eu só queria morrer. À falta de sono nas noites somaram-se severas crises de choro, vazio, trevas, escuridão, desamor e muitos outros sentimentos negativos. Vou te contar: não é normal uma pessoa dirigir um carro desejando que um caminhão passe por cima! Uma pessoa que pensa isso precisa de ajuda, sério!

    + Aos 55 anos, mulher deixa depressão e se torna campeã de remo

    A psicologia ressalta que há uma distinção entre a tristeza patológica e aquela proveniente de um luto, que é passageira e provocada por acontecimentos difíceis, traumáticos, como por exemplo, a morte de um ente querido, desencontros amorosos e familiares, problemas profissionais, dificuldades econômicas etc. Diante desses problemas as pessoas sofrem mas encontram uma forma de superá-los. Nos casos da depressão patológica o desânimo é constante, mesmo que não haja uma causa aparente.

    Então concluo que meu caso se adequa à primeira situação. Fui muito relutante em procurar ajuda. Cheguei a marcar inclusive psiquiatra mas não compareci à consulta. Quando a coisa ficou bem pesada e sob a insistência de um amigo, fui a um pronto atendimento psicológico. A única coisa que fiz lá foi chorar desesperadamente. Saí do consultório achando que tinha traumatizado a psicóloga. Mas também com uma certeza: a única pessoa que poderia me ajudar seria eu mesma. Veja bem! Não estou dizendo que a psicóloga não me ajudou. Ajudou sim, e muito! Fez-me entender que EU tinha que fazer algo para sair daquela situação. Então, o primeiro passo para quem está passando por algo parecido. Vá a um profissional!

    Pois bem. A essa altura eu já tinha começado a fazer crochê durante as madrugadas em que não conseguia dormir. Sempre gostei de artesanato e aprendi crochê ainda criança, vendo minha mãe fazer. Fazia anos que não pegava uma agulha e aquela atividade passou a ser a minha melhor distração porque eu precisava ocupar o tempo já que não dormia. Aquilo virou minha válvula de escape. E para desviar dos pensamentos da universidade, passei a planejar transformar todo aquele crochê num negócio.

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    Esse capítulo aí me lembra o filme P.S. Eu Te Amo. Assisti-o pela primeira vez em 2007, chorei do começo ao fim. Era um prelúdio de que em um futuro próximo eu me sentiria completamente Holly, a personagem principal.

    Holly perdeu o sentido da vida com a morte de seu marido e grande amor, Gerry. Sem gostar do emprego, ela mergulhou no abismo da depressão. Mas sua sorte foi que Gerry, sabendo que ia morrer, deixou-a várias cartas com instruções de como superar a perda e reencontrar a vontade de viver. Depois de muitos altos e baixos, mais baixos do que altos, uma das cartas Gerry a lembrou de como ela era uma garota espontânea e também de uma frase que ela falou com empolgação no dia em que eles se conheceram: “My business is to create” (Meu negócio é criar).

    Então ele completou, dizendo: “Vá pra casa, descubra aquela coisa que torna você aquela pessoa única. Eu vou te ajudar. Procure um sinal”. Semanas e semanas de isolamento, muito choro e mágoa, Holly dá de cara com uma fivela do suspensório de Gerry caída em cima de um de seus sapatos. Foi o sinal! Holly era louca por sapatos. Pôs-se a estudar e se tornou designer de sapatos e aos poucos foi retomando o gosto pela vida.

    Comigo? Eu tinha um namorado que era um quase Gerry, sempre paciente e motivado a me fazer rir. Pais, irmãos, filhos, amigos e namorados de alguém deprimido, não se culpem por, aparentemente, não terem sucesso em fazer o ente querido levantar da cama, sorrir ou reagir… Não é culpa sua. E não se sintam inúteis diante de situações assim. Acreditem, a motivação e o carinho de vocês ajudam muito. Foi meu ex que disse: “Guapa, você pode fazer o que quiser. Ânimo! ”. Gente, eu sempre soube disso, mas a depressão faz a gente esquecer.

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    E o sinal? Entrei no meu quarto cheio de novelos de linha e agulhas. Quer sinal mais claro? Registrei minha marca de moda praia em crochê feita à mão. O nome é Morenando, em homenagem à minha mãe, que foi a morena mais linda e de quem eu herdei tudo o que tenho de bonito e a leveza das mãos na arte de fazer crochê.

    Olhem, não estou dizendo que fazer crochê é terapia. Eu só queria contar que, desde que eu comecei a me dedicar a algo que para mim era leve e que não era obrigação e que me distraía do mundo que me machucava, a insônia foi diminuindo, passei a chorar com menos frequência e estou decidida a me curar das olheiras porque eu sou a modelo da marca. E, pasmem! O mundo que me machucava nem machuca mais!

    Muitos dos meus amigos sofrem com depressão. Eu não preciso ler nenhum artigo da Nature para saber disso. Basta olhar em volta, tomar um café com os colegas e escutar os lamentos. Conferindo grosseiramente, 99% das pessoas que eu conheço do meio acadêmico sofrem de algum tipo de problema emocional. Todos têm bruxismo, alguns têm insônia e outros têm essa dor de cabeça das 17h. Quando digo pessoas, isso inclui discentes e docentes. Acho que os técnicos, o pessoal da administração e da faxina são os únicos que se salvam. Acho! Não tenho certeza.

    Então, eu também vou listar pequenos hábitos que adotei no dia a dia e que podem ajudar bastante. Na minha opinião, o principal deles é o ato de perdoar! Perdoe! Perdoe, esqueça e ignore a neurose do seu orientador! Lembre-se de não ser igual a ele quando se tornar um. Perdoe o coleguinha competitivo que está sempre te pondo à prova, conferindo os seus artigos e seu índice h. Perdoe-o por ele ser um idiota. Perdoe o editor que negou a publicação do seu artigo logo de cara, dizendo que ele não está no escopo da revista mesmo estando. Respire fundo, tenha paciência e formate-o todo de novo e envie-o para outra revista. Lembre-se que você vai passar o resto da vida fazendo isso.

    Ficar estressado por isso não vai adiantar nada. O mesmo vale para o referee que reprovou seu relatório e projeto. Evite conversar sobre sua pesquisa. Deixe-a para o horário da reunião de grupo. Divirta-se com seus amigos em atividades que não lembrem a pesquisa. Decrete uma lei: proibido falar de pesquisa nos churrascos, cafezinhos ou qualquer outro encontro social promovido pelo pessoal da pós. Não fique falando sobre o experimento que não deu certo, a não ser que você realmente acredite que a pessoa que está ouvindo tenha uma ideia para fazê-lo funcionar. Evite reclamar da vida.

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    FIQUE LONGE DE QUEM RECLAMA DA VIDA. Procure ser humilde. Esconda seu ego em algum lugar onde você não possa encontrá-lo. Corra, ande de bicicleta, malhe, dance. Faça as coisas que você gosta de fazer. Aprenda algo novo. Monte uma banda, toque seu violão, cante, vá tocar nos barzinhos da vida ou toque em casa mesmo. Faça tricô, crochê, bolo, cozinhe, pinte, beije, faça sexo, dê atenção a seu namorado(a), a sua família. Largue o computador e vá para o parque. Aprenda a andar de patins. Escute música. Ame-se! A gente pode fazer qualquer coisa! Afinal, somos MUITO inteligentes! Que tal procurarmos um método mais prazeroso de perseguir cenouras?”

    Adriana Pires Vieira é doutora em química pela Unicamp e idealizadora da Morenando.

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