Quem nunca passou algumas horas jogando roleta com a família? É um jogo bastante divertido. Podem jogar pessoas de idades diferentes. Na mesa, um tabuleiro que, basicamente, contém trinta e sete números, de 0 a 36. Cada um ganha um conjunto de fichas para apostar. Depois de feitas as apostas, gira-se uma roleta (com posições de 0 a 36) sobre a qual uma pequena bolinha é lançada aleatoriamente. Quando a roleta para de girar, a bolinha se acomoda num dos números, considerado o número sorteado. Quem apostou naquele número, recebe o pagamento por sua aposta. O objetivo é aumentar o número de fichas. No final do jogo, vence quem tem mais fichas. Se as apostas forem reais, como nos cassinos, cada um recebe em espécie o que tem nas mãos em fichas.
Embora a vida não se trate de um jogo em que se busca ganhar de alguém, o processo de escolhas que nela fazemos guarda algumas similaridades com o jogo de roleta. Na vida real, como no jogo de roleta, não é possível se dar bem sempre. Tampouco é possível ganhar apostando em todas as possibilidades (se você apostar em todas as possibilidades, você sairá da rodada com o mesmo número de fichas que apostou – todas as probabilidades são calculadas para isso). Mas será, então, que a vida é pura sorte? A boa notícia é que não. Para dizer a verdade, nem o jogo de roleta é inteiramente sorte. Tanto num caso como no outro, é preciso combinar escolhas, que resultam de reflexão, com um pouco de sorte ou… ausência de azar.
Vamos ver como isso funciona. Digamos que um jogador de roleta aposta todas as suas fichas no número 18 logo na primeira rodada. Segundo a regra, se o número sorteado for o 18, ele deverá receber 35 vezes a quantidade de fichas apostadas. Ele terá tirado a sorte grande nesse caso. Mas a chance de ele acertar o número sorteado é uma em trinta e seis, uma probabilidade muito baixa. Tanto é assim que é praticamente impossível alguém testemunhar uma aposta como essa, a despeito de apostadores patológicos que acabam ignorando tais probabilidades e perdendo bastante dinheiro. Enfim, não vale a pena arriscar todas as fichas num único número justamente porque a chance de acertar é muito pequena. E, se não acertar, o jogador terá perdido tudo de que dispunha.
Na vida cotidiana também temos muitas escolhas a fazer. Na verdade, a vida é uma sucessão de escolhas. A partir da primeira infância, temos cada vez mais capacidade de fazer as próprias escolhas. Quando criança, escolhemos as frutas de que mais gostamos, escolhemos a parte do sofá mais confortável e assim por diante. Na fase adulta, virtualmente escolhemos 100% daquilo que precisa ser escolhido em nossas vidas. Escolhemos nossa carreira, o carro que queremos, o lugar onde morar, a pessoa com quem se relacionar e assim por diante.
Eis que, num belo domingo de sol, nosso amigo Teobaldo vai à praia e conhece Felícia, uma encantadora garota que passa seus finais de semana surfando. Eles começam um relacionamento. Teobaldo nunca havia namorado uma garota tão linda, tão alegre, tão ativa. Eles compartilham também os valores de vida. Teobaldo tirou a sorte grande. Dali em diante, sua vida começa a girar em torno da de Felícia. Ele está completamente apaixonado. Quando não estão juntos, ele está sempre ligado nela. Até aí, tudo bem. Num certo dia, Felícia recebe uma proposta de emprego interessante em outra cidade, distante mil quilômetros da atual. Felícia diz ao namorado que, se ele se mudar com ela, o namoro continua. Do contrário, melhor terminar. Teobaldo não vacila. Abre mão do emprego atual (no qual ganha bem e passaria por uma promoção de cargo em breve), abre mão do tradicional encontro com os amigos, da casa que vinha construindo nos últimos quatro anos e até da ONG que estava montando (sonho que nutria desde a adolescência) e segue para a nova cidade. Ele não tem dificuldade em tomar a decisão porque Felícia é uma garota que vale a pena. Teobaldo deixou para trás a proximidade com a família e com os amigos, sua rotina na cidade natal, o bom emprego e os projetos que vinha executando.
A nova rotina começa bem, embora Teobaldo sinta muita falta das coisas que deixou para trás. Ele está disposto a enfrentar o desafio porque Felícia vale a pena. Mas acontece que, alguns meses depois, ela decide terminar o namoro. E tomou essa decisão de maneira sumária. Agora Teobaldo está numa cidade da qual não gosta, num emprego do qual não gosta e sentindo muita falta dos projetos que abandonou. Em poucas semanas, Teobaldo entra num quadro de depressão aguda. Por que isso aconteceu? Alguém pode dizer que Felícia foi sacana com o namorado. Ou que os novos amigos a influenciaram de maneira ruim. Mas o que aconteceu, basicamente, é que Teobaldo apostou todas as suas fichas no número 18. Sua sensação de bem-estar passou a depender integralmente da condição de seu namoro com Felícia. De maneira bruta, toda a sua felicidade passou a depender de sua relação com Felícia ser bem sucedida. Sua felicidade passou a depender de a bolinha cair no número 18.
Não se pode definir um juízo segundo o qual uma pessoa nunca deva apostar suas fichas em um único projeto, em uma única pessoa. Mas é importante saber que o impacto de um fracasso nesse projeto é devastador. Isso não vale apenas para relacionamentos. Vale para carreira, escolha de cidade onde morar… qualquer projeto. Distribuir nossas energias (e expectativas) em projetos diferentes faz com que sempre haja coisas boas acontecendo, ainda que tenhamos de lidar com frustrações vez por outra. As frustrações, por sinal, ajudam a todos nós a crescermos enquanto pessoas. Mas elas não podem ganhar um tamanho tal que nos impeça de viver.
Vai começar a próxima rodada. Como você vai apostar suas fichas?