Uma famosa anedota cria uma situação na qual você, caminhando em uma noite qualquer pelas ruas da cidade, encontra seu amigo procurando algo bem embaixo de um poste. Ele está vasculhando o chão com o olhar atento. Segue o diálogo:
(Você): Olá! Tudo bem? O que você está procurando?
(Amigo): Que bom que você apareceu! Pode me ajudar? Eu perdi minha carteira.
(Você): Claro que te ajudo! Você perdeu sua carteira por aqui?
(Amigo): Não… Na verdade eu a perdi naquele bosque no outro quarteirão.
(Você): Mas então por que você está procurando aqui e não lá?
(Amigo): O bosque é escuro. Então prefiro procurar aqui debaixo do poste porque é bem iluminado.
Neste exemplo, é óbvio o absurdo de procurar pela carteira no lugar onde ela não foi perdida só porque este local é mais confortável e fácil para a busca. Se a carteira foi perdida no bosque escuro, é lá onde as buscas devem se concentrar. Isso implica mais trabalho e tomada de decisão. Dá para procurar com o tato no escuro, o que demanda mais tempo. Alternativamente, buscar uma lanterna para auxiliar na tarefa. Outra estratégia, ainda, seria esperar até o raiar do sol no dia seguinte, correndo um risco maior de a carteira não estar mais lá.
Mas como será que nos comportamos nas situações mais sutis do cotidiano? Será que não fazemos como nosso amigo e acabamos por buscar as soluções mais fáceis para nossos problemas ainda que no lugar errado ou de modo errado?
Na prática
Alguns anos atrás atendi um paciente que tinha dificuldades na relação com a esposa. Ele se sentia culpado por passar pouco tempo com ela. E não era assim porque faltava tempo ou algo do tipo. Na verdade, embora ele próprio desejasse passar mais tempo com ela, ele se incomodava com o mau hálito que ela desenvolveu e também com alguns comportamentos que ele não via como bons. Esta era a carteira perdida dele. E qual seria então o bosque escuro? Neste caso é o próprio vínculo entre os dois. Ou seja, procurar a carteira no bosque escuro seria, para ele, conversar com a esposa sobre as coisas que o estavam incomodando na relação.
Como ele sentia receio de expor os incômodos à esposa bem como do trabalho que haveria para enfrentar as dificuldades, preferiu buscar um caminho mais confortável. Evitava passar tempo demais com a esposa para não se irritar e, quando convidava a mulher para fazerem algo juntos, optava por cinema ou teatro, já que passariam algum tempo juntos sem que pudessem interagir tanto durante a atividade.
Ou seja, não se poderia dizer que ele não esteve com a esposa naquele dia mas, mesmo estando juntos, não seria possível conversarem de fato. O cinema e o teatro, embora atividades boas em si, eram para este marido como procurar a carteira perdida embaixo da luz do poste. Ali, há luz, mas não será útil para encontrar a carteira.
Quantas vezes não acabamos procurando nossa carteira debaixo do poste por ser iluminado? Todos fazemos isso de vez em quando. E todos precisamos entender o mal que esta atitude provoca. Porque em algum momento a carteira fará falta e não poderemos mais justificar nem para nós mesmos a procura no lugar errado. Quanto mais cedo for ao bosque, melhor será.