Você conhece alguém que reclame frequentemente de ser maltratado dentro do relacionamento amoroso? Ah… você mesmo passa por isso? Relacionamentos, de fato, não são feitos só de bons momentos. A manutenção do vínculo depende, além do sentimento mútuo, de saber tolerar comportamentos um do outro. Um relacionamento é bem sucedido quando os parceiros têm alegria e prazer por estarem um com o outro e lidam conjuntamente com as dificuldades. A essência parece ser basicamente a alegria de estar com o outro. Acontece que nem todos os relacionamentos são assim. Há quem reclame do namorado ou da namorada (ou do cônjuge) com frequência. Há quem profira diariamente lamentações sobre o comportamento do outro quase como uma oração ou um mantra. O que fica é a ideia de “Ai, como eu sofro.”
Na série de desenho animado do Snoopy (The Charlie Brown and Snoopy Show), Lucy sempre convida o amigo Charlie para chutar uma bola de futebol americano que ela mantém em posição vertical no chão para o chute do amigo (por ser oval, a bola de futebol americano exige a ajuda de um jogador que a segure para que seja chutada adequadamente pelo parceiro de time). Acontece que sempre que Peanuts (Charlie Brown) aceitava o convite de Lucy, ela acabava tirando a bola no momento exato do chute, o que fazia com que ele chutasse o ar e caísse no chão. Quando surgia um novo convite, Charlie recusava lembrando a Lucy todas as vezes anteriores nas quais ela acabou retirando a bola. Mas Lucy argumentava que dessa vez seria diferente (“Hoje não! Hoje não…”) e acabava persuadindo Charlie a tentar o chute mais uma vez. O resultado, claro, era mais um chute no vazio e mais uma queda de costas.
O que se passa com Charlie Brown é exatamente o que acontece com quem reclama constantemente do parceiro ou parceira. Reclamar sempre da mesma coisa e não fazer nada para mudá-la é como um disco de música que enrosca e fica repetindo sempre o mesmo trecho. Alguém pode me alertar para o fato de que quem deveria mudar é a pessoa que está dando mancada e não quem sofre com essa mancada. Isso é verdade nas primeiras vezes em que a mancada é dada mas perde seu sentido conforme a situação se torna recorrente. Dali em diante é um problema dos dois. Lucy realmente é maldosa com Charlie Brown mas a maldade que ele sofre só acontece porque ele aceita tentar o chute outra e outra vez. Reclamando, é verdade, mas sempre se submetendo ao mesmo risco historicamente efetivo.
Por que, afinal, alguém reclama repetidamente das maldades e erros recorrentes do parceiro sem fazer nada efetivo a respeito? Há três razões para isso.
A primeira razão é a incongruência entre as expectativas e a realidade. Quando se ignora o que a realidade apresenta em favor daquilo que se espera dela, a dor se torna inevitável. Se Charlie Brown quer deixar de ser enganado por Lucy, ele precisa levar em conta que ela tem sido desonesta desde sempre. Dizer isso a ela é importante mas não é suficiente para que ele deixe de chutar o vazio. Ele pode acusá-la raivosamente de desonestidade mas, se aceitar um novo convite para chutar a bola, estará assumindo o mesmo risco novamente. Ele precisa deixar de aceitar o convite se realmente quer que algo mude. Se ele fizesse isso, uma de duas consequências aconteceriam: 1) Lucy mudaria seu comportamento e demonstraria de um modo efetivo que gosta realmente do amigo e que se importa com ele ou 2) Charlie Brown não seria mais enganado. No segundo caso, pode ser que Charlie perca a amizade de Lucy. Aqui cabe um elemento importante. Não existe certo e errado. Cada um deve avaliar o que é melhor para si. O que está fora do lugar no caso de Charlie é ele reclamar e não atuar no que está sob seu controle. Ele poderia chutar o ar e cair no chão infinitas vezes sem reclamar se isso fosse prazeroso para ele ou se ao menos não o incomodasse. O problema é que incomoda. Nos relacionamentos também é assim. Reclamar e esperar que algo mude não deve produzir mudança alguma. Tente parar de reclamar e você saberá a real importância daquilo que lhe incomoda.
A segunda razão porque se reclama do parceiro sem fazer algo que produza a mudança é que, enquanto se age assim, não é necessário olhar para o próprio comportamento e nem para a própria satisfação. Enquanto se reclama de alguém é possível abrir um bom vinho e sentar para esperar até que o outro mude. Isso gera uma sensação de falso dever cumprido (“Eu fiz minha parte.”).
A terceira e derradeira razão das reclamações recorrentes no relacionamento é o medo de que o vínculo acabe. Esse medo nasce da sensação também falsa de que não é possível ter um relacionamento melhor com outra pessoa. Assim os dias passam sem que se precise sair da zona de conforto.
O caminho para a mudança envolve parar de reclamar, avaliar o que realmente importa para si e agir de acordo com isso sem esperar que o outro mude. Ao final você saberá se está com a pessoa certa.
Vai tentar mais um chute?