Rara mulher a liderar um dos maiores escritórios de arquitetura de São Paulo, a arquiteta Carolina Bueno, sócia-fundadora do Triptyque, morreu na madrugada desta segunda-feira aos 46 anos, de um câncer no cérebro, diagnosticado há pouco mais de um ano. Ela deixa a filha de 8 anos, Zoe. No clube do bolinha da arquitetura paulistana, onde um discurso de diversidade disfarça práticas para lá de conservadoras, ela se destacava.
Carol, como era conhecida, estudou na Escola de Arquitetura Paris-Seine, onde se formou em 1999. Com colegas de faculdade, os franceses Gui Sibaud, Greg Bousquet e Olivier Raffaelli, criou o Triptyque no ano seguinte, no Rio de Janeiro, mas que em 2001 já tinha se mudado para sua São Paulo natal, quando fizeram a loja MiCasa e a boate D-Edge.
O Triptyque tem um portfólio variado, além de comércios e casas: três edifícios residenciais para Idea!Zarvos (Fidalga, Pop XYZ e Onze22), o prédio que abriga o Chez Oscar, na Oscar Freire, para a Reud, a Red Bull Station, na praça da Bandeira, um retrofit no Centro do Rio de Janeiro e eles ainda fazem parte da equipe responsável pela futura Cidade Matarazzo.
Com quase 120 profissionais (94 em São Paulo, na sede da rua Major Sertório, no Centro), o coletivo franco-brasileiro cresceu e se internacionalizou. Fazia propostas para incorporadores privados, mas também para o poder público. Foi dos primeiros a fazer fachadas verdes e a ter projetos de prédios em madeira.
Na Vila Madalena, seus prédios são francamente diferentes dos vizinhos – matando-os de inveja. O Pop XYZ, entre as ruas Arapiraca e Delfina, é um residencial sem grades, nem muros na entrada, com comércio no térreo e azulejos na fachada que remetem ao grande Athos Bulcão. Com vários blocos e passagens vazadas, é um exemplo de como a verticalização da cidade poderia ter sido bem mais sutil com talento e preocupação com o entorno. A mesma relação fluída com a calçada se encontra no projeto do Chez Oscar, onde uma estrutura assimétrica e metálica coberta de inox reflete a rua cheia de pedestres e convida à entrada. Como um observatório privilegiado a aquele shopping a céu aberto.
Carol foi uma das primeiras entrevistadas no meu podcast #SPsonha. Falou de diversas coisas que fazem do Triptyque uma outra raridade na paisagem paulistana: projetos no Chile e no Peru, um arranha-céu de madeira que sonhava fazer na Vila Madalena, projetos que doou ao poder público e que não saíram do papel, de uma intervenção no Minhocão à reforma do Arouche. “Queremos que as bancas de flores virem o coração pulsante da praça, em vez de ficar de costas para ela. Que tenha uma transparência, com um tanque de tratamento de água por baixo, e painéis solares em cima”, dizia, otimista, em setembro de 2019 (só um fiapo das ideias para o Largo do Arouche foi executado, deixando-se as barracas exatamente como estavam).
Ela também participou dos concursos promovidos pela prefeita de Paris, Anne Hidalgo (“poder feminino puro, uma mulher maravilhosa”, descreveu Carol), para privatizar imóveis públicos com pouco uso. “Acredito muito nas parcerias público-privadas, onde haja um marco regulatório bem-estruturado, que possam atrair recursos e dar uma celeridade à inércia da máquina pública”, disse. “Ainda estamos engatinhando. Se eu fosse advogada, também gostaria de trabalhar com isso.” Ao contrário de alguns hipócritas de plantão – que adoram amaldiçoar a iniciativa privada nas redes sociais, mas aceitam qualquer projeto privado, qualquer mesmo – Carol parecia não temer a patrulha. “Tem quem questione um bem público nas mãos dos privados, mas isso pode ser bem feito, com algo de todos dando algo de volta para todos, sem desperdício ou ociosidade”, falou.
Nos bastidores da gravação, falamos do marketing do escritório, às vezes criticado por colegas arquitetos que não fazem o menor esforço para divulgar seu trabalho (quando o têm), e que se contentam com sites obscuros para bem poucos. “Adoro falar sobre arquitetura, ampliar nosso público, até me produzi pra vir aqui”, brincou, vaidosa. Também conversava da maratona do dia a dia, de criar uma filha pequena sozinha enquanto tocava dezenas de projetos. E de sua paixão pelo carnaval paulistano, pelos blocos.
Ao microfone, ela dizia que adoraria arborizar a Avenida Paulista, retornando aos ipês retirados durante o alargamento da via nos anos 1970. “Adoro ir lá aos domingos, e sempre senti falta da sombra. E ela nasceu como um corredor verde, precisávamos devolver essa arborização.” O velório e o enterro da arquiteta serão restritos aos familiares.