O arquiteto autodidata, incorporador e construtor J. Artacho Jurado costumava dizer que você podia estar bem-vestido com um terno de segunda, desde que com um bom sapato e uma boa gravata. “Mas se você estiver com um terno de primeira e um sapato vagabundo, você nunca estará bem-vestido. Um prédio também é assim, o térreo precisa ser diferenciado”, comparava. Pena que tão poucos sucessores dele no mercado imobiliário tenham aprendido a lição, em tempos de gramadinhos fuleiros sobre a laje da garagem, painéis de vidro-aquário na calçada, guaritas desproporcionais ou muralhas.
No seu Edifício Piauí, lançado em 1946 e entregue em 1950, Artacho demonstrou o que pregava. Era seu primeiro prédio em Higienópolis, um bairro nobre, onde não colocou comércio no térreo, como em seus edifícios anteriores no Centro. Mas calçou um Prada no prédio de dez andares. Pilares revestidos de pastilhas, portaria com brasão (o senso de humor também faz falta) e rampas para ligar a calçada ao saguão principal, meio andar elevado — para não ter que escavar muito para fazer o piso de garagem, uma novidade à época.
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Os acessórios Ferragamo continuam no hall: salão de festas e bar na entrada pela Rua Sabará, um pequeno chafariz na entrada pela Piauí, pisos e paredes decorados e até um espelho que parece ter saído do palácio de alguma vilã da Disney. As poltronas, que estão lá até hoje, foram desenhadas pelo autodidata — elas já constavam no material publicitário que divulgava a entrega do prédio. Faceiro, levou a família para morar na cobertura e postou fotos do apartamento, de pisos arlequinescos, com a mulher e a filha como modelos nos anúncios.
O edifício tem unidades de 80, 110 e 160 metros quadrados. Ao contrário de outros prédios esvaziados do bairro, com poucos e enormes apês, o que deixa o rateio do condomínio caríssimo, o Piauí vive concorrido. Inteligente, manteve as passarelas abertas, sem grades nem muros. Segurança é deixar a vizinhança ver se há algo estranho, e quem entra e quem sai. O Piauí é um septuagenário esperto.
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Publicado em VEJA SÃO PAULO de 9 de setembro de 2020, edição nº 2703.