Disco de estreia do cantor, compositor e instrumentista Rodrigo Campos, São Mateus Não É um Lugar Assim Tão Longe (2009) não recebeu a atenção merecida. Nele, o rapaz nascido em Conchas (SP) já se revelava, além de um virtuoso cavaquinista, um letrista capaz de traduzir a periferia de São Paulo. Bahia Fantástica, seu novo álbum, inspira-se no estado nordestino, onde passou dez dias. Ele deixa o cavaquinho de lado, empunha o violão e explora o trabalho. A estreia ocorreu no fim de maio, no Sesc Vila Mariana, e ficou marcada pela linda interpretação que Juçara Marçal fez de Jardim Japão. Em duas noites intimistas, Rodrigo volta a exibir o repertório. Dessa vez, na Casa de Francisca. Ele conta com a companhia de Kiko Dinucci, Luísa Maita e Juçara Marçal.
Você ficou conhecido por ser um dos compositores que melhor traduz São Paulo. Aí você lança um disco inspirado na Bahia. Por quê?
Compor sempre dentro de um tema específico desgasta o artista. Eu tinha vontade de sair daquele território para ter motivação. Joguei o meu olhar para outro lugar. Foi aí que surgiu a Bahia. Passei dez dias lá. Sempre tive preconceito de quem escreve sobre coisas de que não tem conhecimento, porque soa fake. Aí me peguei nesse papel. Para resolver isso, fui questionar essa Bahia, que se tornou uma metáfora. Não é apenas geográfico, tem uma sensação.
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As pessoas costumam retratar a Bahia de forma alegre. Você fez o oposto…
Eu tive uma crise existencial. Comecei a pensar no sentido das coisas e na morte. Confrontei tudo isso. Por isso, o disco fala da incompreensão do fim e sobre o medo de estar diante de algo que você não entende.
Por que trocou o cavaquinho pelo violão nesse trabalho?
Não quis tocar cavaquinho pelo estigma mesmo. Qualquer coisa que você tocar no cavaquinho vão dizer que é samba. Eu quero deixar claro que São Mateus Não É um Lugar Assim Tão Longe não é um disco só de sambas. Os dois trabalhos partem de histórias ou de algo que eu vivi. Isso é mais importante do que qualquer gênero. Mais para frente, quero voltar ao cavaquinho de maneira profunda para explorar outras sonoridades.
O rótulo de sambista te incomoda?
Eu me sinto sambista e venho do samba. Mas quando me rotulam, impedem que as pessoas possam detectar outras coisas no disco. Eu trabalho do ponto de vista de alguém que veio do samba para me apropriar de outras linguagens. Lá em São Mateus, ninguém acha que o meu primeiro disco é de sambas. Já os indies acham…
Ribeirão, Jardim Japão e Morte na Bahia são cantadas por outros intérpretes. Tem algum motivo específico?
Todo esse processo foi natural. O Criolo, por exemplo, chegou ao estúdio quando eu estava registrando a voz de Ribeirão. Acabou gravando. Eu prefiro que as pessoas cantem sozinhas para soar como um alter ego. Assim não parece que são dois personagens. As participações ajudam a dar uma dinâmica.
Os personagens das suas músicas existem ou são inventados?
São Mateus Não É um Lugar Assim Tão Longe é bem autobiográfico. Em Bahia Fantástica, me permiti inventar pessoas que eu não conhecia. Apesar disso, tudo o que a gente imagina vem de algo que a gente já viu.
Como foi a direção do Romulo Fróes?
O Romulo entrou como um “assistidor” ou um comentarista de ensaios. Os comentários dele sempre foram muito ricos. Ele sugeria arranjos e tirava de rótulos. Ele foi um conselheiro mesmo. Um monte de gente assina a produção do disco, porque foi um trabalho conjunto. Se ele fosse um instrumentista, talvez estivesse tocando também. A presença dele foi importante, mas todos tiveram o mesmo peso.