Cacá Carvalho e a antiencenação de “A Próxima Estação — Um Espetáculo para Ler”: “A revolução está no simples”
O ator paraense Cacá Carvalho, de 63 anos, ficou conhecido do grande público como o personagem Jamanta, explorado em duas novelas de Silvio de Abreu, “Torre de Babel” (1998) e “Belíssima” (2005). Sua trajetória teatral, no entanto, é repleta de desafios desde que despontou em “Macunaíma” (1978), dirigido por Antunes Filho, até os elogiados monólogos “A […]
O ator paraense Cacá Carvalho, de 63 anos, ficou conhecido do grande público como o personagem Jamanta, explorado em duas novelas de Silvio de Abreu, “Torre de Babel” (1998) e “Belíssima” (2005). Sua trajetória teatral, no entanto, é repleta de desafios desde que despontou em “Macunaíma” (1978), dirigido por Antunes Filho, até os elogiados monólogos “A Poltrona Escura” (2003) e “2 X 2 = 5 — O Homem do Subsolo” (2015). Novamente só no palco, o intérprete radicaliza em uma antiencenação batizada de “A Próxima Estação — Um Espetáculo para Ler” e comprova que da extrema simplicidade pode ser extraída uma obra de arte.
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Cacá Carvalho se posiciona atrás de um púlpito e começa simplesmente a ler o texto do também diretor Michele Santeramo. Só a projeção das poéticas ilustrações de Cristina Gardumi servem de cenário. A trama se inicia em 2015, com Massimo e Violeta se refrescando em uma praia e cobre cinco décadas de uma arrebatadora história de amor. A peça pode ser vista no Auditório do Sesc Pinheiros de quintas a sábados, às 20h30, a R$ 25,00.
Como é para um ator abrir mão de qualquer caracterização, qualquer interpretação mais visível e chegar a esse resultado?
Eu acho que todo trabalho deve trazer um desafio. Se não tiver desafio, é a repetição de coisas que nós acreditamos dominar e essas coisas correm o risco de, com o tempo, tornarem-se muletas, defesas, uma coisa que se torna característica de determinado comportamento de ator. Esse é um risco que todos nós corremos. Correr perigo nesse sentido de enfrentar o desconhecido é assustador, mas muito estimulante. Isso pode ser a chave para descobrir outras possibilidades de fazer, de acertar ou errar, correr verdadeiramente perigo. A possibilidade de você conhecer a sorte é correr perigo.
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Você é muito preocupado com o texto… Considera que essa leitura, digamos assim, prende mais a atenção do público que uma encenação convencional?
Sim, eu tenho uma grande preocupação com o texto, com aquele que é dito e o que não é dito também. Gosto de texto bem escrito, bonito, de bons autores. Eu tenho uma história de muita sorte. Eu fiz “Macunaíma”, que vem da fonte de Mário de Andrade. Depois vieram trabalhos sobre Pirandello, sobre Dostoievski. O modo como dizer, a razão pela qual se diz, é uma preocupação que eu tenho e me atrai. Paralelamente a isso, existem também outros textos, o texto que o meu corpo diz, o texto que o meu objeto diz. Eu tenho fascínio pelo texto, dito ou o não dito.
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Mas o público se sente mais obrigado a prestar atenção em cada palavra?
Quando se tem a proposta de fazer um trabalho em que se “lê”, a palavra tem de vir com uma qualidade de leitura muito objetiva. Preciso fazer com que a palavra que entra pelo ouvido do espectador seja associada aos desenhos de Cristina Gardumi na projeção. Além disso, também deve ser associadas às rubricas que aparecem na tela, somadas à música. A junção dessas coisas vira sentido, vira conceito. E diante disso você tem de dar a palavra ao espectador e não um sentido ou um conceito fechado.
Você não cogitou fazer esse trabalho encenado e não apenas lido? Quem sabe convidar uma atriz para representar a Violeta?
Quando Michele criou essa joia da dramaturgia moderna italiana, ele escreveu para ser ‘ lido’. Não daria certo encenar, as condições de truques cênicos necessários não atingiriam a credibilidade que o teatro necessita. Quando você ‘lê’, você dá a informação e é o espectador que completa com a sua imaginação o quadro, o personagem, a qualidade do dizer e do fazer. O espectador torna-se coautor da história à medida que ele vai construindo a partir dos elementos que recebe. É rico para o ator e para o espectador.
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Falando de uma história de amor você acaba nesse espetáculo também fazendo política. Era essa a intenção? Você queria falar disso nesse momento tão duro que o Brasil – e o mundo – está vivendo?
Nós estamos vivendo tempos difíceis, tempos em que o mundo desafia nossa inteligência, nossa capacidade de resistir e nós precisamos nos juntar, nos fortalecer e defender o direito que todos têm à felicidade, ao lazer, à cultura. Precisamos saber do valor do outro e que sem o outro nós não somos ninguém. Quando nós optamos por fazer um trabalho que coloca o amor em primeiríssimo plano é também uma atitude política. Por outro lado, isso é mais simples. A revolução está no simples, na observação do delicado, do pequeno, a grandeza que tem no infinitamente pequeno, perceber que somos infinitamente pequenos neste infinitamente grande que é o todo. E juntos nós somos fortes. O texto do Michele me faz repensar muitas coisas da minha vida, e isso é importante, Um teatro que se repensa, um homem que se repensa. Tudo isso deve servir para a gente enfrentar esse ar rarefeito.
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