A voz de Alessandra Maestrini ao telefone não engana. É aquela que o público conheceu em seriados de humor como “Toma Lá, Dá Cá” e “Sexo e as Negas”, porém, sem o carregado sotaque das personagens. O tom é sério, detalhista, quase solene. Passados alguns minutos, a atriz e cantora paulista, de 38 anos, solta a primeira gargalhada e, guiada pelo coração, fala do espetáculo “Yentl em Concerto”, que estreia em 3 de novembro uma série de quatro sessões no Teatro Porto Seguro. Desse momento em diante, Alessandra fica mais leve, informal e até brincalhona. O papo durou cerca de vinte minutos, o suficiente para entender de que forma ela levantou a montagem inspirada no filme estrelado por Barbra Streisand sobre uma jovem judia que se traveste de homem para ser aceita em uma instituição de ensino. O pianista João Carlos Coutinho assina a direção musical e acompanha a atriz e cantora nas onze canções que costuram as histórias dela e da personagem. As apresentações estão prometidas para as terças, às 21h, até o dia 24, com ingressos a R$ 50,00 e R$ 80,00.
Temas para aquecer a voz
“Eu estou há três anos em turnê com meu show, o ‘Drama’n Jazz’. Para aquecer a voz, antes das apresentações, gosto de cantar outras músicas, temas que não estão no roteiro da noite. Prefiro que seja assim para não viciar ou esvaziar a minha emoção. Então, eu recorri ao repertório de ‘Yentl’ e ficava no camarim repassando as canções. Quando percebi, eu estava ensaiando outro espetáculo sem querer. Veio, então, na minha cabeça que precisava montar o musical “Yentl”. Mas como? Com que dinheiro? Precisaria de uma produção grande, muitos atores, negociação de direitos autorais, enfim, tudo demorado e complicado. Um dia, o Centro da Cultura Judaica, em São Paulo, me chamou para um trabalho e propus o projeto de ‘Yentl’. A grana era pouca e gosto de fazer tudo benfeito, tenho muito respeito ao teatro e ao público. Tive a ideia de montar esse espetáculo, que ficou algo entre um concerto e um stand-up. Estou no palco como uma criança que assistiu a um filme, se apaixonou pela história e quer contar o que viu para todo mundo.”
+ Mel Lisboa fala sobre “Otelo”, em cartaz na Faap
Nasce uma estrela
“Vi o filme bem lá atrás, era muito garota. Eu acordei como artista quando ouvi Barbra Streisand. Antes da adolescência, já sabia que cantar e dançar faria parte da minha escolha profissional, mas não imaginava de que forma eu colocaria isso em prática. Quando eu a ouvi cantando e interpretando, percebi que poderia trabalhar em um estilo semelhante. Foi como se uma fada me tocasse com uma vara de condão. Depois disso, eu passei a observar e entender o trabalho de outros grandes artistas que usavam a voz e o corpo em nome da dramaticidade, como Denise Stoklos, Elis Regina, Charlie Chaplin, Marília Pêra.”
Contadora de causos com classe
“Fico completamente livre no palco. É uma encenação muito classuda, mas, ao mesmo tempo, estou ali como uma contadora de causos, relembrando aquelas passagens e emoções. Eu nunca mais tinha revisto o filme. Só depois de decidir montar o espetáculo é que passei a revê-lo e, cada vez, descubro diferentes leituras. Trata-se de uma mulher que enfrenta uma sociedade conservadora e machista no início do século 20. Hoje, ainda podemos relacionar o que ela passou com temais atualíssimos, como a discussão em torno dos transexuais e da homossexualidade, a violência contra a mulher. Pedi para Wagner Freire, nosso iluminador, desenhar uma luz em que eu enxergasse os olhos do público. Sabe quem me inspirou? Clarice Niskier. Enquanto ensaiava, eu pensava muito naquele olho no olho estabelecido por ela diante da plateia em ‘A Alma Imoral’ e queria algo naquela linha. Acho que deu certo. O Nilton Bonder, autor do livro que inspirou “A Alma Imoral”, foi me ver e disse que eu superei suas expectativas. Fico até tímida de falar isso.”
+ Ron Daniels dirige Thiago Lacerda e Giulia Gam em “Repertório Shakespeare”.
O humor como isca
“Eu começo o espetáculo conversando com o público. Entro no palco e puxo o diálogo sobre quando vi o filme. Muitas vezes alguém já engata uma pergunta e, entre uma história e outra, canto onze canções apoiada pelo piano maravilhoso de João Carlos Coutinho. ‘Yentl’ é um filme muito dramático, mas não queria um resultado triste, tão pesado. As pessoas falam que eu consigo levar tudo com certa leveza. Deve ser porque faço com muito amor e quando a gente lida com o sentimento tudo fica mais fácil de digerir, até as coisas difíceis do mundo. E tem também o humor, que é a minha isca, não é? Muitas pessoas que me conhecem pelos trabalhos na televisão vão ao teatro. É gratificante verificar que quem curtia a Bozena, personagem do seriado ‘Toma Lá, Dá Cá’, toma conhecimento da Yentl através do meu espetáculo.”
Quer saber mais sobre teatro? Clique aqui.