A empresária Vivian Pisaneschi, de 52 anos, estava quebrando a cabeça para encontrar um presente ideal para a prima, Lúcia Diello, que havia dado à luz Heitor, seu primeiro filho, e que em meio à quarentena não podia receber visitas. “Queria algo original para que o bebê levasse para a vida.” A ideia veio de uma postagem no Instagram da cantora Fabiana Cozza, sobre o projeto A Nossa Música, plataforma em que é possível encomendar uma canção ou composição instrumental a partir de um tema.
As faixas, de cerca de dois minutos cada uma, são criadas e interpretadas por músicos profissionais, registradas em vídeo e enviadas via WhatsApp e pelas redes sociais (a gosto do cliente). Quando Heitor completou 1 mês de vida, recebeu sua lembrança, Luz Azul, com Lenna Bahule e Daniel Grajew. Entre as referências estava Panis Angelicus com Pavarotti e a mensagem sobre romper barreiras. “Conseguiram traduzir o que queríamos e ainda deram um ar mais moderno.”
A mamãe de primeira viagem não conteve as lágrimas. “Foi extremamente emocionante”, conta Lúcia. “Estamos isolados da família e a música é muito reconfortante, como se o caos não existisse.” Ela afirma que a faixa já faz parte do dia a dia do recém-nascido. “Fazemos o ritual de dormir com ela, vai estar sempre com o Heitor.”
+Assine a Vejinha a partir de 6,90.
Luz Azul é uma das cerca de setenta composições que já foram criadas dentro do projeto, que está em seu terceiro mês. Encabeçada pela pianista Júlia Tygel, A Nossa Música foi inspirada em outra iniciativa, Versinhos de Bem-querer, das bordadeiras do Vale do Jequitinhonha. “São trinta músicos já inseridos no mercado musical, com muitos shows, e que ficaram sem poder tocar em lugar nenhum”, conta Júlia. “Entre lives e vídeos para a internet, que geralmente não revertem em renda, decidimos testar esse formato.” E tem dado certo. Para ter uma faixa para chamar de sua, o site sugere contribuições financeiras a partir de 300 reais, que, segundo a pianista, apesar de pouco para uma composição, ajuda na dinâmica da empreitada. “No fim do mês, juntamos todo o valor arrecadado e distribuímos de acordo com a função de cada um nas criações. Todo mundo recebe igual”, explica.
Há ainda uma porcentagem ao Conexão Música Fundo Emergencial, para auxiliar profissionais da área que passam por necessidade. Segundo ela, tem chamado atenção a felicidade do público não só por receber as obras mas também por colaborar com a arte. “Há uma revalorização e a música se tornou veículo de afetos.”
A juíza Tatiana Magosso entrou em contato com a plataforma justamente para contribuir com a causa dos artistas. Aproveitou que seu filho, João Paulo, de 4 anos, estava passando a quarentena com seus quatro avós no interior de São Paulo para pedir uma canção para o momento. O resultado foi a delicada Qua Qua Qua, de Marcelo Segreto e Rodrigo Ursaia. “Quando pedi o mote, não tinha atentado para o fato de ter escrito quatro anos, quatro avós e quarentena e achei muito criativa a brincadeira do qua-qua”, conta.
+Assine a Vejinha a partir de 6,90.
Também interessado em ajudar estava o empresário Renato Miralla, que mora em Barcelona e viu a indicação de um amigo. A ideia era chegar aos ouvidos da mãe, Maria Judite, que passa por um tratamento médico em São Paulo. “Queria uma homenagem que lhe desse mais força. Quando entendeu que a música tinha sido feita especialmente para ela, ficou muito feliz”, relata.
Júlia diz que os amigos abraçaram logo a causa com carinho. “Estavam loucos para tocar de novo, compartilhar criações”, diz. “Alguns até se questionaram se dariam conta de entregar um trabalho bonito”, diverte-se. Foi o caso de Patrícia Bastos, que recebeu a encomenda de um fado logo de cara. “Passei algumas noites sem dormir porque nunca tinha feito algo similar”, conta. No fim, gostou e convocou seu irmão, o músico Paulinho Bastos, para se juntar ao time.
Parte do coletivo, o violinista Ricardo Herz tem se divertido com as descobertas musicais e destaca os encontros inéditos (e virtuais) que o projeto vem realizando, sob responsabilidade do curador Benjamim Taubkin. “Foi um incentivo para eu compor mais e fazer parcerias com pessoas com quem nunca tinha trabalhado antes.” Diz Júlia: “Tem saído resultados muito incríveis, com qualidade, e está nos planos deixar o projeto vivo mesmo depois da pandemia”.
Se depender do público, A Nossa Música terá vida longa, como aposta a professora Soraya Reginato da Vitória, que encomendou o presente para o companheiro, Felipe de Oliveira, inspirado em versos que ela escreveu, chamado O Beijo. Com um bebê recém-nascido, ela já planeja composições para o pequeno. “Estamos pensando com muito carinho em um mote para ele.”
+Assine a Vejinha a partir de 6,90.
Publicado em VEJA São Paulo de 16 de setembro de 2020, edição nº 2704.