“Sabe quem é Johnny Alf?”, questiona o cantor e ator Thiago Pach, de 37 anos. “Muita gente não conhece, principalmente a minha e as gerações mais novas. Precisamos falar sobre ele, porque se trata de um dos pilares da música brasileira, um dos pais da bossa nova.” Na tentativa de mostrar quem foi Alf, Pach lançou mão de um crowndfunding no Catarse para a gravação de um EP com faixas compostas por ele e algumas outras que ficaram conhecidas na voz dele.
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Ele conta que o projeto nasceu em uma conversa com seu produtor Fabio Cardoso sobre a representatividade lgbtqia+ e negra na música popular brasileira e de como o preconceito impediu que músicos talentosos tivessem reconhecimento. Chegaram ao nome de Johnny Alf, de quem já era fã. Segundo ele, o cantor pode ser o maior representante do artista que teve a sua carreira atrapalhada pelo racismo e homofobia. “Houve um apagamento de sua identidade por ele ser homossexual e negro”, diz. “Foi um preconceito velado, porque temos grandes nomes da música que o tem como influência, como ídolo”, conta.
Nascido Alfredo José da Silva, em 1929, no Rio de Janeiro, Alf estudou música erudita mas adorava o cinema americano e dali tirava suas referências sonoras como Cole Porter, George Gershwin e Nat King Cole. Instrumentista, pianista talentoso, compositor e cantor, frequentava o Sinatra-Farney Fan Club, onde passava tardes estudando o piano. Ficou amigo do próprio Dick Farney, que o indicava para trabalhos.
Seu nome foi impulsionado quando Mary Gonçalves, a rainha do rádio em 1952, gravou três de suas composições. O artista migrava pelas casas noturnas e, no bar do Hotel Plaza, teve entre seu púbico Tom Jobim, João Gilberto e Carlos Lyra, que ainda estavam no começo de suas carreiras. Jobim, por exemplo, o chamava de Genialf. “Ele criou harmonias que não se fazia naquele tempo. O grande legado dele foi misturar a formação erudita no piano com suas influências do samba de Vila Isabel, onde nasceu, e transformar a música daquela época, que levou a criação da bossa nova.”
Para Pach, Alf conseguiu à sua maneira falar de sua homossexualidade, de forma muito carinhosa, e que as pessoas só se dão conta do que se refere quando tem o contexto. “É um olhar muito interessante. Tem Eu e a Brisa e como ele experimenta a vida, e Ilusão o à Toa. São muitas sutilezas que ele coloca nas composições, sendo um homem negro e gay, numa época conservadora, que não se falava sobre isso como hoje.”
Para o projeto, previsto para sair no ano que vem, Pach selecionou também outras composições não tão conhecidas, caso de Oxum e Kaô, Xangô, que saem bastante da linha do que o próprio Alf fazia. “Era um momento que ele estudava as religiões de matriz africana”, diz. “Existe até uma história de que a Sarah Vaughan veio para o Brasil, assistiu ao show dele e o convidou para uma apresentação com ela nos Estados Unidos. Ele não foi porque sua mãe de santo disse que era melhor não ir”, conta.
A produção ainda terá participações do rapper Rico Dalasam e de Áurea Martins, que trabalhou e deu voz a obras de Alf. “O objetivo maior é mostrar como ele era moderno, e a gente consegue fazer o que quiser com as criações dele, inclusive trazer para 2020. Inquieto do jeito que era, se estivesse vivo estaria criando música contemporânea”, diz.
Sozinho em um asilo e sem herdeiros, Alf morreu em 2010 em decorrência de um câncer de próstata, em Santo André.