As letras carregadas de angústia, inadequações sociais e emocionais e muitos corações partidos poderiam flertar com as sofrências sertanejas. Mas, embaladas em batidas mais introspectivas, fizeram do cantor Jão, de 25 anos, um fenômeno pop. À primeira vista, a pegada melancólica combinaria com shows em pequenas casas, com o púbico em silêncio e sentado. Porém, o rapaz vai na contramão e faz da turnê Anti-Herói um showzaço mais completo, que leva a plateia ao delírio. “Desde o início, a gente sabia que eu precisava de uma base de fãs consolidada, por isso um show bonito e bem cuidado é essencial”, diz Jão (apelido de João Vitor Romania Balbino). As músicas também fazem a conexão. “É um vômito de coisas ali, de tudo que está entalado, o que eu sinto. Pode soar triste, mas quem ouve e se identifica sabe que não está sozinho”, explica. Diretor artístico do cantor, Pedro Tófani conta que o atual espetáculo foi colocado de pé em menos de um mês. “A gente se inspirou nas turnês de artistas estrangeiros que têm uma temporada com um fim marcado”, explica Tófani. Uma grande cabeça inflável iluminada de 6,5 metros de altura foi uma conquista no cenário, e há também um formato reduzido da montagem, para palcos menores.
Para além dos cuidados técnicos, o que mais chama atenção no espetáculo é a plateia, que tem comparecido em peso, esgotando os ingressos. Durante a performance, o público grita a todo pulmão as composições mais dramáticas. A comoção impressionou até veteranos da cena musical como o produtor DJ Zé Pedro, que foi a um dos shows com mais de 4 000 pessoas no Tom Brasil, no início do ano. Foi a segunda vez que Jão ocupou o mesmo espaço com entradas evaporadas em menos de quatro meses (recentemente, Jorge Aragão esteve lá e não alcançou o mesmo feito). “É um fenômeno misterioso: ele consegue movimentar muita gente, sem padrinho musical, sem um grande aporte de gravadora, sem conchavo”, diz Zé Pedro. “É a voz da geração dele, que vive conectada e que, quando não está, se sente sozinha. É um Cazuza ou Renato Russo atual”, declara o produtor. Só desta turnê, dos 24 shows realizados, dezessete estavam esgotados. Seu cachê na capital paulista é avaliado em 90 000 reais.
O sucesso não foi conquistado sozinho. Além de Tófani, responsável pela direção artística, outro amigo da faculdade completa a equipe. É Renan Augusto, que cuida da comunicação e negociações de apresentações e parcerias. Juntos, os três formam a empresa U.F.O, que no ano passado teve faturamento superior a 2 milhões de reais. A história começou em 2016, tempos depois que os dois amigos descobriram acidentalmente que Jão não só cantava, como também compunha. Natural de Américo Brasiliense, interior de São Paulo, o artista se apresentava na escola, mas reprimiu a vontade de ser cantor quando mudou para a capital para cursar publicidade na USP. “Estava em um estágio e não aguentei vinte dias, pedi demissão e riram da minha cara quando falei o porquê”, lembra o artista. Foi então que convocou a dupla de amigos para ajudar. “Eu sempre quis trabalhar com entretenimento e sabia que ele tinha potencial”, diz Augusto, que na época fazia estágio na área de comunicação de um canal de TV por assinatura.
Traçaram os planos: fazer o nome dele aparecer, gravar videoclipes e, principalmente, caprichar nas produções dos shows. “A gente sabia que a parte artística, que é a produção do Jão, estava garantida”, conta Tófani que trabalhava em criação em uma agência de publicidade. Do apartamento de Jão, na Consolação, saíram os primeiros vídeos, na maioria covers de músicas já conhecidas do público, como Bang, de Anitta, seu maior sucesso dessa empreitada. As composições próprias ganharam espaço meses depois, com o primeiro single, Ressaca, de 2017. Um tanto mais encorpado, Imaturo, foi gravado nas dependências da Cidade Universitária, com a desculpa de ser projeto de conclusão de curso. “Marcamos também uma série de shows, mesmo não tendo muito repertório”, diz Augusto. Cada um assumia uma das tarefas. Jão fazia a parte do som, Tófani a iluminação e Augusto, a divulgação e as funções de DJ. Eles ainda descolavam elementos como fumaça e LEDs. “A entrada tinha de vir com impacto, mesmo se a porta para o palco fosse a do banheiro”, lembra Tófani. “Uma vez, eu entrei com o microfone na mão, achando que iam aplaudir e nem notaram a minha presença”, diverte-se Jão. Foi a primeira lição do tal jogo de cintura no palco, garante o cantor.
A consolidação veio no ano passado, com a sequência de apresentações e o lançamento desta última turnê. Surgiram também pedidos de outros artistas para que fizessem a produção, a exemplo das revelações Pedro Sampaio, Giulia Be e, mais recentemente, Gustavo Mioto. Entre os novos projetos, conseguiram montar o Bloco dos Corações Partidos, na Audio, para o pós- Carnaval, que pode virar um bloco de rua em 2021. Eles estavam trabalhando em um novo espetáculo que seria apresentado no Lollapalooza, antes de o festival ser adiado em razão da pandemia de coronavírus.
Agora, o desafio vem do excesso de trabalho. O trio admite ser controlador e ter dificuldades de aproveitar o lado bom das produções bem realizadas. “Ficávamos até tímidos de comemorar vitórias, porque sempre pensamos no futuro”, diz Augusto. Foi só no ano passado que passaram a mudar alguns comportamentos, como se permitir dias de descanso e horários restritos para falar da empresa. “Eu precisava disso”, afirma Jão. “Senão vou escrever sobre o quê? A reunião que tive com o marketing?”