A imigração libanesa em São Paulo teve seu ápice no fim do século XIX, justamente quando Faiad Maluf, bisavô da celebrada psicanalista Betty Milan, fixou residência na capital. Comerciante, ele acumulou fortuna vendendo de roupas de cama a espingardas e comemorou o sucesso ao erguer, nos anos 20, um elegante palacete na região da Bela Vista batizado de Baal, deus da mitologia fenícia. O endereço chamava atenção no atual número 308 da Rua dos Ingleses.
A construção, entretanto, não resistiu ao crescimento da cidade e a desavenças entre os herdeiros e veio abaixo na década de 60, dando lugar a um prédio residencial de vinte andares, próximo ao Teatro Ruth Escobar. Sua memória é resgatada no novo livro de Betty, Baal — Um Romance da Imigração, da Editora Record.
A autora, 75, estudou durante quatro anos a história do lugar, que não só serviu de inspiração para seu romance como também foi sua casa durante a infância. “À volta do jardim, havia árvores de café e nós, crianças, colhíamos os grãos vermelhos”, recorda. “No centro, ficava uma piscina, aproveitada pela geração da minha avó, pela da minha mãe e pela minha. Uma sala de música exibia vitrais que ilustravam as colunas de Balbeque, cidade histórica do Líbano.”
Em seus tempos áureos, o espaço recebia políticos e figuras da igreja Ortodoxa. Havia grandes festas e bailes, com a presença de até 700 convidados. O movimento no pedaço incentivou a construção da escadaria do Bixiga, inaugurada em 1929, que liga a Rua dos Ingleses à 13 de Maio.
A obra de ficção se inspira na trajetória de Maluf e levanta questões sobre imigração, xenofobia e machismo. Betty lamenta, entretanto, a vida curta do casarão, que exibia um mirante baseado em uma torre do Cairo e chegou a abrigar visitantes do país natal de seu idealizador. “Deveria ter sido preservado e se tornado um memorial da imigração libanesa”, afirma.
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 02 de outubro de 2019, edição nº 2654.