Depois de trinta anos de sua morte, o nome do artista plástico Rafael França (1957-1991) continua a ressoar. “Ele produziu obras em vídeo, mas se distanciou das experiências no cinema e na televisão. Quis criar outra via. A falta de sincronia entre imagens e sons, presente em seus trabalhos, sinaliza seu desejo de quebrar com a ideia de continuidade”, pontua a gaúcha Veronica Stigger, curadora da exposição, que traz dez dos vídeos produzidos por ele, entre 1982 e 1991.
Chamada Rafael França: Réquiem e Vertigem, a mostra tem inauguração prevista para o sábado (22) e marca também os dez anos da galeria Jaqueline Martins, onde foi montada. O início do trajeto, que se desenrola em dois pisos, parte de Prelúdio de Uma Morte Anunciada (1991), trabalho com cinco minutos de duração, de caráter autobiográfico, característica recorrente na produção do artista.
“Ele fez essa obra poucos meses antes de morrer, junto com seu companheiro Geraldo Rivello, trocando carícias delicadas. Não se vê o corpo dos dois por inteiro, mas partes. Aos poucos, vão surgindo nomes de amigos que, assim como Rafael, também foram vítimas da aids”, descreve a curadora, que, na exposição, promove diálogos entre a produção do artista e de outros nomes, também importantes, como Leonilson (1957-1993), Hudinilson Jr. (1957-2013) e Mário Ramiro.
Com os dois últimos, Rafael criou, no fim dos anos 70, o grupo 3NÓS3, que ganharia um livro, publicado pela editora Ubu em 2017, e ficaria gravado na história da arte brasileira por intervenções ousadas e irreverentes, como a cobertura parcial das pistas de trânsito do túnel de ligação entre as avenidas Paulista e Doutor Arnaldo com uma faixa de plástico com mais de 100 metros de comprimento. “Eles também cobriram a cabeça de monumentos da cidade com sacos”, recorda o irmão de Rafael, o escultor Hugo França, de 66 anos, conhecido pela produção de mobiliário por meio da reutilização de madeiras e árvores que caíram naturalmente pela ação do tempo.
Rafael conciliava essa verve questionadora, sobre o circuito de arte e a paisagem paulistana, com uma personalidade metódica. “Ele era bastante certinho. Via a arte de maneira mais profissional. Não se encaixava no estereótipo do artista largadão”, descreve Hugo.
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Publicado em VEJA São Paulo de 26 de maio de 2021, edição nº 2739