Enquanto a evolução define o que somos, a cultura diz quem somos. Isso varia com a época e o espaço. Nas democracias ocidentais da atualidade, o cânone é que estamos aqui para sermos felizes.
Disso decorre o paradigma pelo qual universalizamos identidades: será que essa pessoa é feliz?
Felicidade não se reduz à celebração do hedonismo. Propósito e variedade psicológica contam muito, mas as combinações que funcionam são individualizadas.
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Sem fórmulas infalíveis, resta-nos aquilo que revelam os instrumentos psicológicos especializados. Esses tanto podem endereçar diretamente subdomínios do bem-estar, senso de propósito e riqueza da vida mental, medidos em perguntas como “Quão gratificante é a sua vida?” e “Você acha o mundo hostil?”, quanto podem ser mais abrangentes, oferecendo insumos sobre felicidade, de maneira contextualizada.
O primeiro tipo peca por ignorar sutilezas do funcionamento da mente capazes de contradizer os resultados apurados, enquanto o segundo tipo se limita por não se aprofundar tanto em felicidade. Por isso, o padrão-ouro na ciência do tema é a combinação dos dois.
No primeiro semestre deste ano, nós conduzimos um amplo estudo psicológico, voltado ao mapeamento da felicidade dos brasileiros, a partir de instrumentos exclusivos da área. Hoje vocês vão conhecer os principais resultados, inéditos até aqui.
O experimento arrolou 1 081 participantes, de 18 a 81 anos. A cobertura foi nacional e tanto escolaridade quanto renda foram padronizadas para refletir o perfil médio da população brasileira. A pergunta mobilizadora foi: será que a idade é um fator importante na felicidade? Para responder a isso, aplicamos a escala de felicidade de Oxford e o teste de personalidade Big Five.
Os resultados não nos surpreenderam, mas é possível que tenham efeitos distintos em você: o grupo das pessoas mais velhas (60+) tanto apresentou o escore mais alto no teste de felicidade quanto o mais baixo em neuroticismo, que é a dimensão de personalidade que versa sobre a experiência crônica da ansiedade e dos sentimentos depressivos.
Esse grupo obteve também o escore mais alto em consciosidade, característica de quem se preocupa mais com os outros. Diversos estudos de uma área conhecida como teoria evolucionária dos jogos mostram que, por causa da reciprocidade, pessoas mais consciosas costumam formar relações pessoais mais satisfatórias, o que é mais um indício na mesma direção.
Os mais velhos mostram-se mais alinhados ao éthos da nossa era, em que a felicidade possui representatividade existencial central, apesar de passarem por conhecidas adversidades, incluindo aumento da incidência de doenças, redução no tônus vital e queda de renda. Como explicar isso?
A mente humana pode ser pensada como um sistema de processamento de informações em dois níveis: um no qual estímulos vindos de fora e ideias são transformados em memória e comportamento; e outro em que tomamos nosso próprio entendimento como objeto de reflexão, tal como o sábio chinês que sonhou que era uma borboleta, sonhando que era um sábio chinês, que parafraseio de Raul Seixas, parafraseando Chuang Tzu. Esse é o nível da metacognição.
Existe um entendimento novo na psicologia de que a metacognição se aprofunde com a idade, gerando uma forma de inteligência que pode ser convertida em felicidade e paz de espírito.
Tal é a nossa tese. E também o ponto de partida que propomos para repensarmos a sabedoria.
A curadoria dos autores convidados para esta seção é feita por Helena Galante. Para sugerir um tema ou autor, escreva para hgalante@abril.com.br
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Publicado em VEJA São Paulo de 3 de agosto de 2022, edição nº 2800