Desde criança eu tenho estudado a escuta. Meu pai sempre tocou violão e eu ficava fascinado com os diferentes acordes, ritmos e melodias. Foi a primeira faísca que a escuta despertou em mim. Aos 8 anos comecei a estudar violão, aos 13 comprei um baixo e montei uma banda e, desde então, minha casa já teve mais de vinte instrumentos. Mas a música não era o suficiente. Quando fazia um show, sentia que não estava tão conectado com as pessoas.
Foi aí que descobri o teatro. Ali senti mais claramente o impacto da minha fala no outro, tanto nos meus companheiros de cena como na plateia. Todo ator tem medo de escutar uma tosse da plateia, porque significa que as pessoas presentes estão entediadas. Essa fala mostra a importância do ator estar conectado com o público e ouvindo se estão todos na mesma frequência.
Quando o teatro também deixou de ser suficiente, descobri uma nova paixão: ser palhaço voluntário em hospitais. Ali consegui unir tudo o que eu amava: música, teatro, improviso e a relação com o outro. entrar em um quarto desconhecido, sem nenhuma cena ensaiada, requer muita empatia, sensibilidade e escuta. É preciso ir com calma, entender como está aquele paciente ou “Parear o Bluetooth”, como diz o genial palhaço Álvaro Lages, e então criar algo juntos. O sucesso era eu e o paciente rirmos juntos, cantarmos juntos Mamonas Assassinas (que saudade de entoar “Minaaa, seus cabelo é daora” nos corredores do Hospital Infantil Darcy Vargas).
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Depois de algum tempo, entendi que esse conhecimento poderia e deveria ser aplicado na vida fora do hospital. Aos poucos, fui colocando a ludicidade, a brincadeira e a escuta empática no meu dia a dia no trabalho, fazendo brincadeiras com os meus colegas, quebrando o gelo de reuniões falando sobre assuntos corriqueiros como música e videogame e me observando todos os dias para escutar para entender e não para responder. Nota importantíssima: “O contrário de brincar não é trabalhar. É depressão”. Adoraria que essa frase fosse minha, mas é do Stuart Brown.
Depois de anos trabalhando com pessoas de diversas nacionalidades, hoje estou aplicando todos esses conceitos em uma empresa chinesa, lidando com culturas totalmente diferentes (o que exige uma escuta ainda mais afinada) e justamente na área de parcerias. No meio de uma pandemia, com todas as reuniões on-line e com cada pessoa em um canto do mundo, nunca foi tão necessário sermos escutadores interessados e preocupados com a situação do ser humano do outro lado da tela.
Baseado na juventude de Buda, Hermann Hesse escreveu em seu livro Sidarta: “Sidarta escutou. Neste momento ele não era nada, apenas um ouvinte completamente concentrado em escutar, totalmente esvaziado, ele sentiu que agora havia aprendido a escutar”. Ao ensinar sobre conexões humanas, escolho por um mundo com mais Sidartas, onde podemos nos esvazi/ar um pouco de nós mesmos para nos preenchermos com o outro.
Para chegarmos lá, não se esqueça: “A pressa é inimiga da conexão”. essa frase de efeito é minha mesmo. Que possa ser um lembrete para você começar suas reuniões e apresentações perguntando e querendo ouvir de verdade: e você, como você está?
Raphael Negrão é publicitário, palhaço voluntário em hospitais há oito anos e professor do workshop Lugar de Escuta. A próxima turma online que vai trabalhar a conexão por meio de jogos e exercícios lúdicos será no dia 7 de abril. As inscrições devem ser feitas por este link.
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Publicado em VEJA São Paulo de 31 de março de 2021, edição nº 2731