Há um ano estamos longe de muitos que amamos, impossibilitados de seguir com o trabalho da forma que éramos acostumados. O coração aperta, a saudade aumenta.
Com tudo o que vivemos, comecei a valorizar ainda mais a existência de gente que importa. Também passei a reconhecer os deliciosos prazeres da vida, encontrar alegria na rotina. Quando estou em casa, agradeço o teto, o aconchego, a comida, a tecnologia, a arte. O simples se tornou paz em meio ao caos.
Os encontros que tenho com o meu sobrinho e afilhado Enrico, que amo de paixão, tiveram um hiato por causa da pandemia. Conviver com ele era costumeiro, o que fez com que o reencontro fosse mais que especial. Apesar de todos os cuidados, os momentos agora são sempre cheios de amor — de máscara e muito álcool em gel.
Esses encontros são tão mágicos que acabo sempre em estado de total graça e felicidade. Ele fez 4 anos, tem uma energia linda, é muito inteligente, gente fina, feliz.
Quando chega o nosso dia, jogamos bola. Ele faz 31 gols e eu três. Também fazemos bolo (e ele fala “que massa linda!”, toda vez), assistimos à Peppa, ele me conta sobre a escola, quer saber do alfabeto e já escreve o próprio nome. Ele me faz rir, tem um humor singular! Mostro fotos da vovó novinha na praia, do vovô na primeira comunhão, da mãe da vovó, do papai na escola, e ele pergunta tanta coisa, entende tudo. Às vezes, penso sobre o que nos foi tirado, mas também sobre o que pude ganhar.
Acho que felicidade também é isso, estar vivendo um momento e não pensar em nenhum outro. Estar pleno e completo com o presente e o que está sentindo. E nada pode ser melhor do que isso.
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Sobre outra parte da vida, tenho muitas coisas ainda por fazer. Por incrível que pareça, o tempo se desorganizou em relação à arrumação dos armários, por exemplo. E tenho os meus trabalhos que me dão muito prazer. Tenho sorte de trabalhar com a arte, o que me salva. O Chocolate Quente, meu programa de rádio, é um dos meus orgulhos — onde propago a sonoridade da black music. Aproveito para contar histórias de sons negros nacionais e internacionais que me inspiram, e tenho certeza que inspiram os ouvintes.
Também escrevo e canto muito — em shows corporativos, lives, ou pra mim mesma. Faço quase tudo de casa. Pela pandemia, cuido de mim e de quem está próximo. Só saio por uma real necessidade.
Para me manter sã, comecei a fazer pilates, voltei a estudar piano, tenho visto séries e filmes incríveis, faço um bolinho ou outro e visito meus pais uma vez por semana. Tudo isso me reenergiza, me dá prazer, alegria e um senso de benfeitoria para a minha saúde física e mental.
Sinto imensa saudade do nosso mundo, do palco, do movimento nos shows e uma saudade ainda maior do público. Vou matar essa saudade de todas as formas assim que possível e de maneira intensa. Apesar da angústia pelo que estamos passando, tenho meus momentos de felicidade e gratidão pelas possibilidades e pequenas alegrias da vida adulta.
A saudade se tornou a amiga que me lembra constantemente que isso vai passar e que a felicidade não é estar, mas ser.
Desejo que logo mais possamos usufruir plenamente dos nossos prazeres, possamos fazer lindas escolhas, conviver com a liberdade e, principalmente, amar e rir muito presencialmente com os nossos amores.
Paula Lima (@paulalima) é cantora, compositora e apresentadora do programa Chocolate Quente. Sente saudade do palco e do público, mas aprendeu que é possível preservar a sanidade mantendo acesa a vontade de aprender. Arranja tempo para quase tudo, só falta arrumar os armários.
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Publicado em VEJA São Paulo de 19 de maio de 2021, edição nº 2738