Estamos acostumados a ouvir que o riso é contagioso. “Ria, e o mundo rirá com você”, diz o ditado. Passar o dia sorrindo, então, demonstrando bom humor e alegria, deveria nos fazer as pessoas mais felizes da Terra, certo? Errado.
A Disneylândia se orgulha de ser o lugar mais feliz do planeta. Para isso, é preciso garantir que todo visitante se sinta bem, tenha suas demandas respondidas e suas necessidades acolhidas por funcionários sempre prestativos e sorridentes. As diretrizes incluem olhar nos olhos, manter a expressão facial adequada e sustentar um sorriso honesto, que sempre termina em um “muito obrigado”. Isso os torna os funcionários mais felizes do planeta? Ao contrário, eles apresentam grande risco de desenvolver exaustão profissional, desgastados pela tensão que frequentemente surge entre o que estão sentindo e o que a companhia espera deles. Nossas emoções normais variam ao longo do tempo; se somos proibidos de deixá-las transparecer, entramos no modo de atuação superficial, quando o que demonstramos é diferente do que sentimos.
Esse problema não é exclusivo dos parques criados por Walt Disney. Empresas de entretenimento podem exigir mais essa máscara de seus empregados — o que os sociólogos chamam de “trabalho emocional”, aqueles empregos em que o funcionário precisa controlar seus sentimentos para influenciar os outros numa direção desejada —, mas não são as únicas.
Assim como os colaboradores da Disney, comissários e aeromoças passam a se sentir distantes de seus sentimentos, perdendo a confiança no próprio termômetro emocional. Todos nós seguimos regras na expressão de nossos sentimentos, controlando-a de acordo com o contexto e as pessoas envolvidas, em prol dos bons relacionamentos, mas em algumas funções esse esforço emocional é transformado em trabalho, sendo então imposto ao empregado.
Claro que as emoções positivas trazem boas consequências, de forma geral. Gratidão, esperança, otimismo, felicidade, todas nos ajudam em diversos aspectos — quando presentes, aumentam a qualidade de vida, melhoram as relações, contribuem para a saúde e até para a longevidade saudável.
O problema real não é querer se sentir bem. O ponto principal é que as emoções positivas — como todas as outras, diga-se — são consequências, não fins em si mesmas. Elas são consequências de outras coisas que fazemos: trabalhar com gosto, estabelecer bons relacionamentos, adotar hobbies prazerosos etc. Mas, quando transformamos consequências em recompensas, elas se tornam rapidamente o objetivo principal da nossa vida. Com isso, deixamos de investir energia nas coisas que valem a pena — cujas consequências eram o que almejávamos em primeiro lugar — para nos envolver numa busca infrutífera pelos resultados. A alegria se torna uma obrigação, a gratidão se torna um dever, a esperança se torna um fardo. Essa é a maneira mais eficaz de acabar com o lado bom do lado bom. Não queremos ensinar ninguém a ser feliz, otimista, sorridente. Queremos estimular as pessoas a ter uma vida plena, rica em emoções, o que invariavelmente incluirá emoções negativas — e todas têm seu lado bom.
Daniel Barros é médico e professor da The School of Life, no curso Como Ter Serenidade. Ele está prestes a lançar o livro O Lado Bom do Lado Ruim — Pare de Tentar Se Livrar das Emoções Negativas e Aprenda a Vantagem Delas pela Editora Sextante. Parte da publicação é mostrada em primeira mão a seguir.
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 25 de setembro de 2019, edição nº 2653.