A palavra “herói” nos lembra personagens de ficção e sempre temos nossos favoritos. Mas eu descobri que esse termo se traduz como ação e que esse “ato heroico” é algo que está ao alcance de todos. Eis o que a minha história permite contar.
Eu não me fiz um herói, eu despertei aquilo que já existia em mim. Hoje, minha ação é principalmente sobre motivar pessoas, um verdadeiro superpoder.
Na minha história, a da vida real, o vilão é o câncer, a doença mais temida, cujo nome se evita pronunciar. E a minha missão não é curar, mas fazer com que os pacientes não abandonem os tratamentos, muitas vezes dolorosos e fatigantes ao físico e emocional, associando ao quadro a depressão, grande mal do século.
Ao longo de mais de uma década de trabalho social, fui percebendo que, na realidade, o maior inimigo era o tempo, que resumia a minha ação a uma única oportunidade de sucesso.
Foi na infância que senti o primeiro chamado para um ato de heroísmo. Aos 6 anos de idade, presenciei um incêndio em casa, sozinho com minhas irmãs menores. Claro que somente eu poderia salvá-las e salvar a mim mesmo, elas eram mais frágeis. Mas isso não fazia de mim forte ou preparado. Eu não conseguia empurrar a porta que, com o fogo, estava cheia de obstáculos. Nós não teríamos outra opção que não a ajuda de terceiros.
Primeiro, vi a maldade humana atuar. Foram aqueles que entraram em casa para saqueá-la e nos deixaram para trás. Depois, eu vi as pessoas que nos salvaram e nunca as esqueci. Com a memória dos bombeiros, dos saqueadores, do fogo e principalmente da frustração ao tentar salvar minhas irmãs, desacreditei de super-heróis. Nenhum chegou voando ou carregando água pelos ares até nossa casa.
Tempos depois, minha família observou que eu pintava desenhos apenas em vermelho e preto. Fui levado para a psicóloga que, após saber do ocorrido, me apresentou o Batman. Um herói com quem eu tinha algo em comum: vontade e falta de poderes especiais. Ele se tornou uma inspiração, de uma forma muito pareada, pois em sua história também houve um trauma na infância e a sensação de impotência, de onde ele se fez. E de onde fiz quem sou hoje.
Ainda adolescente, conheci os Doutores da Alegria. Fiz parte do grupo e vi a importância da presença do trabalho social para muitos pacientes. Interrompi minha participação depois que meu pai teve câncer. E não apenas uma vez, mas três, com uma grave depressão na última. Vi tristeza e desesperança nos olhos do meu pai e curiosamente nem parecia partir tudo dele, mas o reflexo de algo. Prometi estudar a respeito, mas naquele momento precisava ser enérgico, aplicando as palavras certas para retornar ao meu pai o homem corajoso que ele sempre foi. Então, o lembrei dos dizeres dele sobre um filme a que assistimos, “a última espadada de um guerreiro é sempre a mais forte”. Era isso. Se fosse o último esforço, seria para valer. Como resultado, meu pai saiu vencedor. Percebi que a força tinha de vir da essência.
A doença do meu pai foi o meu segundo chamado. Quando retornei ao trabalho social não era um personagem de entretenimento, eu era o Batman, em toda a sua essência. Com suas dores, com sua força e com apenas ferramentas emocionais para levar aos pacientes. Precisei impor minha presença nos hospitais por diversas vezes até que, após verem o resultado, eu passei a não ser mais um intruso, mas um convidado, a pessoa acionada para uma missão específica. Lidei com muita descrença e entendo, não era uma pessoa convencional no serviço social, era uma nova forma.
Em algum tempo a notícia se espalhou e comecei a receber ligações dos pais das crianças internadas para visitá-las, pois sabiam dos relatos de outras famílias quanto à melhora de seus filhos. Atendendo a esses pedidos confirmei que era isso o que eu tinha de fazer. Era o melhor que eu podia fazer. E é isso que eu faço.
A curadoria dos autores convidados para esta seção é feita por Helena Galante. Para sugerir um tema ou autor, escreva para hgalante@abril.com.br.
Publicado em VEJA São Paulo de 18 de janeiro de 2023, edição nº 2824