A nova casa minimalista
Devota do estilo de vida minimalista, Ana Paula Passarelli fala sobre como abraçar a simplicidade e ter esse olhar amoroso com o lar
Logo que me casei, dei cabo de abraçar a alma paulistana da “decor” (reduzido assim mesmo, como a gente gosta de fazer com todas as palavras por aqui). Mobiliei e decorei a casa com os melhores itens da moda, papel de parede, um armário repleto de louças de respeito, para receber quantas pessoas coubessem na mesa para até doze lugares que havíamos comprado na Tok&Stok. Chique.
Os anos foram passando e eu não consigo me lembrar se recebi mais de seis pessoas ao mesmo tempo. Talvez nas festas de fim de ano ou nas tentativas de reunir os amigos com aquele famoso “passa lá em casa”, que aqui na capital paulista pode levar meses, às vezes anos, para acontecer. Uma frustração enorme de uma interiorana que entrava na casa dos vizinhos sem nem precisar bater à porta.
Mas São Paulo é diferente. ela nos ensina, logo de cara, que para ser alguém por aqui, você precisa correr atrás, batalhar e exibir as conquistas com o close mais instagramável possível. Aqui se ganha mais dinheiro, é fato. Mas a cidade nos empurra para também gastar todo o dinheiro que puder — e não puder — para manter um estilo exibicionista de ser. É o verdadeiro “gasto, logo exibo, logo existo”. E eu gastei.
Gastei para me inserir numa cultura que não se limitava à decoração. essa cultura entrou no meu guarda-roupa, na minha maquiagem, nos produtos de beleza, na escolha pelos destinos de viagens, em tudo. O exibicionismo alcançou o ápice quando me peguei escolhendo em qual supermercado eu deveria fazer minhas compras: St. Marche ou Casa Santa Luzia? A ida ao supermercado tinha de valer o check in nas redes sociais.
Aí veio a gravidez e ela foi o meu divisor de águas. A psicologia (e muita terapia) pode explicar melhor que eu, mas quando minha filha nasceu, todas aquelas coisas perderam o sentido. Passei anos tentando preencher a casa e a minha vida adulta com elementos decorativos da moda que de alguma forma me completassem, mas bastou um pacotinho de 3,9 quilos chegar para pôr tudo abaixo. Virei devota do estilo de vida minimalista e ele virou série no meu canal no Youtube.
Para mim, esse divisor de significados foi a gravidez, mas para algumas dezenas de milhares — talvez milhões — de famílias, a covid-19 tem ressignificado o olhar para dentro da casa. Nunca passamos tanto tempo enclausurados e me arrisco a dizer que esse aprisionamento se parece com um puerpério coletivo forçado, colocando todos na família em um estado emocional inflamado e reativo, que olha para as coisas e percebe que elas estão mais atrapalhando do que decorando.
As buscas por “minimalismo” no Google subiram e despertaram um desejo pela simplicidade. Seja para fazer renda extra seja para destralhar a casa, parece que estamos mais abertos a nos livrar do que não tem função, tanto física quanto emocional. Os paulistanos ultrapassaram 100 dias de quarentena no início deste mês. Talvez seja um bom momento também para abraçar a simplicidade e ter esse olhar amoroso com o lar. Com tanta coisa e tanta gente em casa ao mesmo tempo, falta espaço para que as relações se fortaleçam e para que a humanidade em cada um de nós volte a ser o item mais importante da casa.
Ana Paula Passarelli é mãe da pequena Emma e criadora do PASSA em casa, onde produz conteúdo para ajudar as pessoas a enxergar o espaço doméstico com novos olhos e perceber que a simplicidade também pode ser chique.
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Publicado em VEJA SÃO PAULO de 1º de agosto de 2020, edição nº 2697.