É sempre bom ter um lugar para ir, ao menos na imaginação, quando o que se vive não é exatamente um Shangri-lá. O meu lugar é o Butão, o reino espremido entre a China e a Índia. Cercados pela cordilheira Himalaia, os cerca de 760 000 habitantes parecem ter entrado em acordo com o tempo, vivendo sem pressa o que verdadeiramente possuímos: o presente. Aterrissar no aeroporto internacional de Paro não é tarefa para turista, mas sim para peregrino.
Pequeno, irrelevante no comércio internacional e recém-saído do grupo dos países mais pobres do planeta, o Butão, com a chancela da ONU, vem mostrando ao mundo que as escolhas não precisam ser binárias, que não é necessário optar entre o meio ambiente e a economia, as pessoas e o lucro, o PIB e o bem-estar social. A filosofia e o modelo de gestão pública estabelecidos propõem crescimento com valores. Esse paradigma se chama sustentabilidade, o maior desafio da civilização humana nesta década.
Primeiro e único país carbono negativo, o Butão não só zera suas emissões como também neutraliza o CO2 emitido por outras nações. Garante em sua constituição a cobertura obrigatória de 60% de seu território por florestas. Afere periodicamente o Índice de felicidade interna Bruta (FIB) de sua população, verificando como estão as condições pessoais e sociais para que os cidadãos possam buscar a própria felicidade. Estabelece prioridades nas políticas públicas de acordo com as vulnerabilidades observadas na pesquisa FIB — isso independente do partido no poder. Garante saúde e educação a 100% da população. e, apesar de um PIB per capita inexpressivo e do fato de ter no turismo sua segunda fonte de receita, não hesitou em fechar as fronteiras e seguir dessa forma para combater a pandemia de Covid-19.
Antes que o leitor duvide da veracidade desta breve descrição, cabe complementá-la com alguns esclarecimentos. Ao contrário do que é amplamente divulgado, o Butão não é o país mais feliz do mundo, não figura nessa posição em nenhum ranking e não carrega em sua narrativa o desejo de competir por esse lugar. Além disso, a nação tem importantes desafios, em especial no âmbito do crescimento econômico, imprescindível ao seu desenvolvimento, e na preservação de sua identidade e cultura.
O Butão não é uma utopia, é um exercício vivo no combate à distopia. É a busca por uma gestão pública que não perca de vista a razão da política, que é o bem-estar do cidadão. É um convite à reflexão acerca do que realmente importa. Afinal, como disse Robert Kennedy em seu emblemático discurso de 1968, dois meses antes de ser assassinado: “O PIB mede tudo, exceto o que faz a vida valer a pena”. O país, com seu FIB, propõe que mensuremos o progresso considerando economia, meio ambiente e felicidade.
Mais do que um destino, o Butão nos oferece a experiência de um novo paradigma, lembra-nos que o mundo do modo como vivenciamos é uma construção da mente humana e, como tal, pode ser reconfigurado. “A felicidade é um lugar”, diz o slogan oficial do país. Desde a primeira vez que pisei no Butão, este lugar está em mim.
Carla Furtado é fundadora do Instituto Feliciência (@feliciencia), centro de formação científica em bem-estar, liderança e sustentabilidade.
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Publicado em VEJA São Paulo de 21 de julho de 2021, edição nº 2747