Bem, nobres leitores do blog. Antes de começar mais um texto, cabe informar uma mudança significativa na rotina deste que escreve e, provavelmente, na composição de temas do diário cervejeiro. Desde a última terça-feira, encontro-me em Cambridge, Massachussets (EUA), onde passarei os próximos onze meses estudando tanto comunicação quanto cerveja. Quem acompanha o noticiário envolvendo a bebida mais famosa do mundo já deve ter percebido que os Estados Unidos são, em termos de fermentadas, um dos países geradores de tendências para o resto do planeta. Em poucos dias por aqui, já dá para perceber a diferença, para a melhor, do interesse que a cerveja artesanal, ou craft beer, tem entre os consumidores locais, se comparados aos brasileiros. É como olhar para um mercado que pode ser o nosso em algo perto de cinco, dez anos.
Uma das experiências mais interessantes nesse início de aclimatação ocorreu na última sexta-feira. A convite de um amigo norte-americano, acompanhei a reunião de uma dúzia de cervejeiros da região de Massachussets na cervejaria Mayflower, em Plymouth. O objetivo do encontro, além de dividir pizzas, cervejas e histórias, era levar casks (tipo de barril historicamente associado a cervejas inglesas, onde a bebida passava por refermentação e de onde era tirada por bombas manuais, e não empurrada pela pressão de gás carbônico, o que geralmente lhe conferia pouco gás) para serem enchidos com uma American Pale Ale feita na Mayflower.
A receita foi feita com maltes e lúpulos da região, sem grandes destaques nem de um nem de outro ingrediente. Essa neutralidade tinha um propósito: cada um dos cervejeiros presentes levou um ou mais casks cheios de volta à sua fábrica para dar um toque pessoal à bebida. Ou seja, da mesma receita base, nascerá ao menos uma dúzia de outras diferentes. Alguns produtores não esperaram o retorno ao lar e adicionaram ali mesmo, no chão da fábrica da Mayflower, seus “toques secretos”. Um deles despejou dentro do cask dois baldes cheios de lúpulo em flor. Outro, mais ousado, colocou no recipiente alguns punhados de pimenta jalapeño e oxicocos desidratados. O resultado poderá ser conferido no festival de cervejas artesanais de Massachussets, no dia 29 de agosto, em Boston. No Brasil, já se veem com frequência cervejas colaborativas nascidas da parceria de dois produtores – em alguns casos, mais do que uma dupla. Mas não nesses moldes, nem com objetivo de trazer diversidade a um festival local.
Os eventos cervejeiros norte-americanos, aliás, são outro fator a se destacar. No próximo sábado, 42 produtores artesanais da bebida se reunirão em um local pouco comum à primeira vista, mas com potencial para atrair uma grande quantidade de pessoas que não têm como foco as fermentadas: o Zoológico de Franklin Park, em Boston. É a quinta edição do evento, e a primeira a ocorrer em todo espaço do zoo. Uma das cervejarias, a Hopsters, chegou a produzir uma Hefeweizen, ou cerveja de trigo, com néctar de banana, para homenagear Okie, o gorila do zoológico, que fez 21 anos recentemente. Embora já seja possível encontrar, cada vez mais, cervejas artesanais em feiras gastronômicas no Brasil, falta ainda aos produtores conseguirem ir além e entrarem em eventos onde a maioria dos participantes não está familiarizada com essa variante da bebida.
Há, ainda, outras boas surpresas, como o fato de que todo restaurante ou bar local que visitei até o momento ter ao menos meia dúzia de chopes artesanais e qualquer loja de conveniência contar com uma dezena de marcas de pequenos produtores. Também é comum ver pessoas na rua com camisetas de cervejarias artesanais – artigo curiosamente tão raro de ser desenvolvido pelos produtores brasileiros. Dia a dia, é possível notar outras diferenças, que pretendo relatar por aqui. Até o próximo post!