Nesta sexta (25), a ativista dos animais Luisa Mell foi a vítima da vez do chamado “cancelamento virtual”. Ou seja, se uma atitude de alguém gera controvérsia, é o que basta para uma onda de linchamento e ódio nas redes sociais. O que quase sempre eclipsa o assunto em questão e anula um possível debate inteligente.
No caso de Luisa, ela foi chamada de racista e intolerante, inclusive por famosos, por postar a história de um cão que teria tido parte das patas, do rabo e das orelhas cortados em um ritual.
Mesmo sem ela citar qualquer religião especificamente, muita gente viu no depoimento uma crítica a crenças de matrizes africanas, o que levou ao aposto de racista.
Luisa falou com o blog nesta sexta (25): “Continuo sendo contra qualquer fé que faça isso, inclusive a minha. Não penso que animal seja comida, vestuário, por que acharia aceitável ser machucado em um ritual?” Oras, se a moça se mostra contra os maus-tratos dos bichos, inclusive o peru de Natal, por que falaria algo diferente sobre o assunto?
A palavra da veterinária
Muita gente afirmou que se tratava de uma mentira a participação do pet em um ritual e que a história era inventada e oportunista. Base para isso foi o texto de uma veterinária que, com apenas uma reposta no Facebook, criou um fato incontestável para muita gente (até agora não confirmado) e compartilhado por figuras como a apresentadora Astrid Fontenelle.
A profissional teria supostamente presenciado o atendimento do pet e diz que o animal foi, na verdade, atropelado, teve trombose nas pernas e precisou sofrer a amputação. O blog tentou contato com ela, mas não obteve resposta.
Outro lado
Luisa me disse que o caso apareceu por meio de uma denúncia de uma pessoa. O e-mail com o pedido de ajuda, a que tive acesso, dizia o seguinte: “Retiramos essa pequena de 5 meses de uma pessoa que fazia maldades com ela. A usava para sacrifício. Ela está tomando medicamento injetável, estava muito mal. Eu mais uma vez não sei como agir, me ajudem”.
Eu liguei na manhã desta sexta (25) para essa moça, chamada Cássia. Ela confirma o relato e diz que, mesmo usando a palavra “sacrifício”, não pode confirmar se houve mesmo o ritual.
Luisa poderia ter ido mais a fundo para saber a história completa? Sim. Há irresponsabilidade em divulgar algo sem checar por si mesmo, ainda mais para tantos seguidores? Sim. Porém, a denúncia fala em sacrifício e há indícios para isso (a veterinária do Instituto Luisa Mell cita cortes com faca ou tesoura). Entendo seguir como próximo passo o tratamento do pet e a divulgação do caso para mostrar o trabalho que está sendo realizado pela entidade.
O “cancelamento”, muitas vezes, se dá sem base alguma. E mesmo quando há base, a reação é tão desproporcional, o que acredito ser o caso aqui, que resta ver toda situação como deprimente. Não é questão de “passar pano” para ninguém, mas é preciso sempre ponderar todos os lados, sem cair na agressividade, e não se deixar levar por armadilhas como as fake news.
Quente e frio
A polêmica esfriou tão rápido quanto esquentou. Luisa postou respostas e a internet age como se a história envolvesse times de futebol, cada pessoa defendendo um lado (normalmente com a mesma gritaria das partidas). Entretanto, quem é atingido por esse tipo de coisa fica, invariavelmente, marcado.
Um tuíte do comediante Yuri Marçal, por exemplo, com mais de 4 000 curtidas, diz: “Luisa Mell deveria aprender mais com os cachorros e não falar nada”. Outro usuário da rede, chamado de Roger Cipó, afirmou: “A desonestidade de Luisa Mell é uma das coisas mais medíocres que se pode ver! Mas ela pode mentir tranquilamente, né?”
Julgamentos, assim, bastante fortes, ocorrem diariamente e, novamente digo, quase sempre com pouca base na realidade ou sem saber todos os lados da situação. Todos os dias trazem algum alvo, MESMO, é só prestar atenção.
Vale discutir os sacrifícios de animais em atos religiosos e o preconceito que, sem dúvida alguma, assola as religiões de matriz africana? Certamente, são assuntos fundamentais. Mas a ideia aqui parece ser mais entrar na onda dos trending topics do Twitter do que propriamente debater o tema.
Selecionar uma pessoa como bode expiatório para um problema complexo, esquecer de qualquer feito passado (e Luisa tem muitos), massacrá-la e achar que assim está se fazendo algum tipo de bem para a sociedade não me parece algo que traga qualquer evolução.
Hoje, vê-se diariamente o esquema de os “bons” cancelarem os “maus”. Daqui a pouco, não sobra mais ninguém.