Como ficaria a região central de São Paulo em um quebra-cabeça? Essa pergunta permeia uma das obras da série Cidade Planejada, da artista Marina Camargo. “Trabalhar com mapas surgiu da necessidade que eu tinha de saber onde estava, isso muito antes de o Google Maps ser criado”, rememora Marina.
Em suas mãos, a cidade se montou, remontou e depois foi transformada em um novo lugar, imaginário. “Longe de uma defesa por cidades utópicas ou planejamentos urbanos ideais, o trabalho é mais relacionado ao jogo de tentativa e erro, entre hesitação e experimentação que ocorre na formação desse outro mapa”, apontou.
Nascida na capital alagoana Maceió, ela se mudou aos 9 anos com a família para Porto Alegre, no Rio Grande do Sul (a cidade também ganhou um mapa de Marina). Hoje, aos 40 anos, divide-se entre o Brasil e a Alemanha, onde também atua na cena cultural.
De algum modo, sua produção dialoga com a malfadada pergunta: Como dizer se uma obra de arte é boa ou não? Uma saída, que foge da simplificação da questão, talvez seja dizer que um trabalho interessante é aquele que vai além da intenção do artista e acolhe múltiplas leituras — e a alagoana dá margem a muitas visões.
Em Mapa Mole II — América Latina (acima; 2020), ela une com tiras de látex duas representações do mapa da região, que é também feito com esse material. Apesar de a for- ma como o território é visto ser familiar, aquela junção de corpos parece estranha, muito diferente do que se observa em livros de geografia.
Esse rompimento com as ditas certezas da representação cartográfica é uma constante nas obras, que levantam ainda mais perguntas. A que se deve a inversão das figuras? Por que elas estão unidas com laços? No fluxo de poucas definições e muitas incertezas, os trabalhos nascem e vivem sem muitos rótulos. Podem ser tomados como pinturas expandidas, que levam suas preocupações para além do combo tela, tinta e pincel.
Quem sabe podem até ser chamados de esculturas, se você aceitar ir além de bustos de mármore ou dos homenzarrões de granito do Monumento às Bandeiras (1954), de Victor Brecheret (1894- 19550).
Essa “condição sem nome” traz à memória o aparelho cinecromático Azul e Roxo em Primeiro Movimento (1951), apresentado por Abraham Palatnik na primeira Bienal de São Paulo. Por pouco, ele não foi aceito, já que o fato de não haver uma categoria para inseri-lo parecia um impeditivo.
Os tremores que aquela caixa com luzes em movimento causaram outrora podem agora ser notados em Distúrbios (2020), desenho feito com tinta nanquim durante a pandemia. “Ele pode ser tomado como uma forma de reagir à situação, mas não foi algo proposital”, afirma Marina. Ainda sobre sua vida durante a crise, ela diz: “Leio, escrevo e às vezes não consigo fazer nada. Tudo muda muito a cada semana”.