“Na vida, como na paleta do artista, há apenas uma cor que dá sentido à vida e à arte: é a cor do amor”. A fala retirada de Minha Vida (1931), autobiografia de Marc Chagall (1887-1985), sintetiza o trabalho do artista franco-russo: era com amor que ele criava suas pinturas e gravuras coloridas, repletas de seres mágicos e poesia. A partir desta semana, 191 delas poderão ser vistas em Marc Chagall: Sonho de Amor, exposição que chega ao Centro Cultural Banco do Brasil São Paulo após itinerâncias nas sedes do Rio de Janeiro, Brasília e Belo Horizonte.
Além do amor, o fio condutor da mostra são seus poemas, que revelam sua forma fantástica de ver o mundo e permeiam os significados dos quatro módulos da exposição. No primeiro, Origens e tradições russas, estão quadros que homenageiam sua cidade natal, Vitebsky, aldeia no antigo Império Russo, hoje Bielorrússia. Apesar de ter vivido a maior parte de seus quase 100 anos fora de lá, as lembranças da infância, das orações, do trabalho manual e dos animais do campo continuaram a figurar suas composições até a morte. A segunda seção, Mundo sagrado, reúne trabalhos relacionados ao mundo espiritual e à Bíblia, uma das maiores fontes de inspiração para Chagall, dada sua origem judaica.
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Um poeta com asas de pintor faz referência à denominação que o intelectual americano Henry Miller deu ao artista. Traz pinturas e gravuras do período em que retornou para a França de seu exílio nos Estados Unidos, em 1948, para onde seguiu fugido da II Guerra. Aqui, as cores invadem cenas de artistas circenses e da vida em Paris. O último segmento é O Amor que desafia a força da gravidade. Ele celebra a força do sentimento a partir de pinturas vivas de flores e de casais enamorados que flutuam juntos no ar, figura presente em Os noivos com trenó e galo vermelho (1957) e em tantos outros quadros do artista. Nesses trabalhos, uma das grandes inspirações para Chagall é sua esposa, Bella Rosenfeld, que faleceu prematuramente em 1944.
Os poemas de Marc Chagall não só direcionam a escolha curatorial como são apresentados diretamente ao público. Quando estreou no Rio em março do ano passado, o acervo possuía apenas a tradução de Seul est mien (em português Só É Meu). A mostra em São Paulo, no entanto, exibe trinta novos poemas, retirados do livro Poèmes (1968) e traduzidos pelo pesquisador Saulo Di Tarso. Alguns deles aparecem transcritos nas paredes e o primeiro a integrar a exposição, Seul est mien, inspira um vídeo animado inédito, exibido no subsolo do prédio. “Buscamos dar voz aos pensamentos e sentimentos de Chagall”, diz Cynthia Taboada, dona da Cy Museum, empresa responsável por trazer a mostra ao Brasil. Ela visitou a exposição, cuja curadoria é da crítica de arte espanhola Lola Durán Úcar, em Nápoles, na Itália, em 2019. O conjunto inicial de 179 pinturas e gravuras aumentou com a concessão de doze trabalhos presentes em instituições brasileiras, como o Masp, a Casa Museu Ema Klabin e o Museu de Arte Contemporânea (MAC-USP).
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Vêm do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (USP) cinco obras nunca antes expostas em uma mostra, trazidas especificamente para a itinerância paulistana. Trata-se de um conjunto de águas-fortes — técnica de gravura em que desenhos são talhados em superfície de metal — que ilustram o livro Maternité (1926), do autor surrealista Marcel Arland. Elas são uma relíquia da coleção do poeta Mário de Andrade, considerado o primeiro colecionador de Chagall no país. “Na arte moderna, ninguém se dedicou tanto às técnicas de gravura quanto Chagall. Ele era um artista monumental, fez também desenhos, vitrais e até cenários para teatro”, diz Cynthia.
A organizadora escolheu inserir na exposição trabalhos contemporâneos em diálogo com a produção de Chagall. Um deles é Air Fountain (2022), do artista americano Daniel Wurtzel. A instalação fica na entrada do CCBB e apresenta dois fragmentos de tecido translúcido que se movimentam a partir de jatos de ar. “Ela remete ao sentimento de suspensão do amor tão retratado nos quadros de Chagall, em especial do último módulo”, explica.
A outra é uma experiência cênico-musical denominada Bella e o Violinista, exclusiva da mostra em São Paulo. Fazendo alusão à esposa e grande amor de Chagall e à figura da tela O Violinista Verde (1924), que não está na exposição, a dupla do Prana Teatro manipula bonecos e toca violino enquanto recita poemas e falas do artista aos visitantes.
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Publicado em VEJA São Paulo de 15 de fevereiro de 2023, edição nº 2828